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ANAIS DO XIV ENCONTRO NACIONAL DA ABRAPSO - RESUMO
ISSN 1981-4321

Tema: Mesa Redonda - Trabalho

PSICOLOGIA SOCIAL E O MUNDO DO TRABALHO: REVENDO CONTEXTOS, CAMINHOS E PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS

Autores:
Esta mesa redonda reúne contribuições que objetivam discutir novos caminhos, contextos e práticas, quando se trata da formação profissional do psicólogo para atuar no mundo do trabalho. A importância e atualidade desta discussão para a Psicologia Social e do Trabalho encontra-se na necessidade de trazer para o debate algumas reflexões sobre os desafios que o mundo do trabalho, que se transforma em velocidade vertiginosa, hoje tem trazido para a Psicologia e na necessidade que se coloca para os profissionais de dirigir novos olhares e esforços no sentido de rever contextos e modos de atuação neste campo. A contribuição do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psicologia Organizacional e do Trabalho, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, parte das alterações do trabalho na contemporaneidade e traz para a discussão o desafio de compreender a complexidade da relação homem e trabalho e da dinâmica das organizações de trabalho no atual cenário econômico e político, onde se coloca para a Psicologia tanto a questão de identificar formas de contribuir para o aperfeiçoamento dessas relações, tendo em vista que é a partir do trabalho que o homem se faz sujeito, quanto o horizonte ético e político da contribuição. O Centro de Psicologia Aplicada ao Trabalho do Instituto de Psicologia da USP-SP contribui com a apresentação de uma proposta de Serviço-Escola como local privilegiado para a formação do psicólogo do trabalho, que tenha como diretrizes gerais de funcionamento a formação teórica, metodológica, ética e política e a interdisciplinariedade como estratégia de aproximação com outras áreas do conhecimento essenciais para a compreensão das problemáticas psicossociais relacionadas ao trabalho. O Grupo de Pesquisa Trabalho, Organização Social e Comunitária da UFSCar questiona o fato de a Psicologia ter, historicamente, ignorado o mundo do trabalho rural como campo de pesquisa e atuação profissional e apresenta uma proposta de formação de psicólogos do trabalho em andamento desde 2003, em acampamentos e assentamentos rurais organizados pelo MST-Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra na região de Ribeirão Preto-SP. A experiência tem possibilitado questionar o viés urbanocêntrico da Psicologia numa sociedade que tem sua gênese e desenvolvimento estreitamente ligado ao rural, assim como a inadequação da mera transposição teórica e metodológica, quando se trata de atuar em espaços sócio-culturais organizados com base em outros valores e traços culturais.
 
 

Resumo das Falas

ROSEMEIRE APARECIDA SCOPINHO(UFSCAR)

O TRABALHO RURAL E A PSICOLOGIA DO TRABALHO - CONSTRUINDO MODOS DE INVESTIGAÇÃO E ATUAÇÃO EM ACAMPAMENTOS E ASSENTAMENTOS RURAIS

O mundo do trabalho rural não está alheio às mudanças que, atualmente, se processam na sociedade brasileira. Nas últimas décadas, o mundo rural tem sido o lugar privilegiado de inúmeras e aceleradas transformações econômicas e sociais, passando pela expansão dos complexos agroindustriais com o uso do trabalho assalariado intensificada na década de 1970, até chegar na internacionalização do agronegócio, a valorização da pequena agricultura familiar e o acirramento da luta pela reforma agrária a partir da década de 1990. Essas transformações tornaram o espaço rural brasileiro cada vez mais heterogêneo, em termos de organização econômica e social, das características, necessidades e interesses dos sujeitos sociais nele envolvidos. No entanto, apesar da importância do rural na gênese e desenvolvimento da sociedade brasileira e de hoje estar cada vez mais tênue a linha divisória que o separa do mundo urbano, este é um campo de pesquisa e de atuação profissional ainda praticamente inexplorado pela Psicologia, especialmente no que se refere a investigar e atuar nas relações e condições de trabalho. Esta apresentação tem como objetivos: 1. resgatar os principais momentos e elementos da minha própria trajetória de investigação e atuação profissional no mundo do trabalho rural da região de Ribeirão Preto-SP; 2. apresentar uma proposta de formação de profissionais na área de Psicologia do Trabalho, que está sendo desenvolvida desde o ano de 2003 pelo Grupo de Pesquisa Trabalho, Organização Social e Comunitária no Curso de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos, tendo como campo investigação e de atuação os acampamentos e assentamentos rurais recentemente organizados pelo MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra nesta mesma região. Apesar de ser esta uma das regiões agrícolas mais desenvolvidas do país, a realidade trabalhista e social é complexa e contraditória. Na mesma velocidade em que ocorre a reestruturação produtiva, o modo da organização e gestão da produção, rural e urbana, gera um conjunto de impactos sócio-ambientais negativos. É bastante expressivo o número de trabalhadores que não têm seus direitos trabalhistas e de cidadania respeitados e, diariamente, muitos se acidentam, adoecem e até mesmo morrem no exercício das atividades laborais, caracterizando situações análogas ao trabalho escravo. Detecta-se uma tendência crescente de agravamento deste quadro no contexto da retomada da produção de grãos e de cana-de-açúcar para fabricação e exportação de etanol. Os mecanismos de vigilância e controle social desses problemas são frágeis e insuficientes, pois o Estado desenvolve ações fragmentadas e desarticuladas e o movimento sindical encontra-se politicamente fragilizado pelo desemprego estrutural. Não é de hoje que a reforma agrária tem sido debatida por segmentos da sociedade regional como forma de garantir as condições de existência dos trabalhadores rurais. Considerando que os acampamentos e assentamentos rurais são espaços onde se estabelecem relações sociais contraditórias e intensa troca de saberes, que o processo organizativo deve levar em conta as especificidades da organização do trabalho no campo e as características psicossociais e culturais dos trabalhadores e ser pautado na participação dos sujeitos no processo de tomada de decisão, de planejamento e avaliação das diferentes atividades econômicas e sócio-culturais desenvolvidas, procura-se compreender como se realizam os princípios da cooperação autogestionária preconizados pelo MST nesses espaços. Através de uma perspectiva metodológica qualitativa procura-se resgatar a trajetória sócio-cultural dos trabalhadores e reconstruir a história e a memória de processos de ocupação, identificar o perfil epidemiológico e de formação (técnica e política) dos trabalhadores, mapear as necessidades e os modos cotidianos por eles instituídos para lidar com os problemas emergentes, no que refere à gestão do trabalho, à formação dos trabalhadores e aos cuidados com a saúde e o meio ambiente. O estudo das trajetórias sociais tem tornado possível conhecer a diversidade sócio-econômica e cultural dos trabalhadores, bem como as suas implicações para o processo organizativo. Originários de várias partes do país, atraídos pela possibilidade de encontrar melhores condições de trabalho e vida no Estado de São Paulo, os trabalhadores tornaram-se, por um lado, portadores da "doença do desenraizamento" e, por outro lado, autores de inúmeras estratégias de sobrevivência objetivas e subjetivas, que alimentam suas expectativas em relação a um modo de vida pautado em valores coletivistas. Conhecer as suas trajetórias profissionais e os sentidos por eles atribuídos ao trabalho e à cooperação autogestionária têm contribuído para melhor entender as potencialidades, os limites e as contradições do associativismo como forma de organizar o trabalho e a vida cotidiana no mundo rural. O tipo de relação que esses trabalhadores têm com a terra é um misto do que trazem na memória da infância e da juventude com a experiência do assalariamento, ora no campo ora na cidade. Eles são artífices de várias formas de relacionamento entre natureza, terra, migração e trabalho. Herdeiros de uma cultura do trabalho precário, dividido e heterogerido, trazem as marcas da submissão e da exploração, experiências de trabalho e vida orientadas pelo imediatismo na luta pela sobrevivência. Entre as contradições, destacam-se aquelas que emergem da relação que se estabelece entre os sujeitos, os movimentos sociais e o Estado, quando se trata de implementar políticas públicas de assistência técnica e extensão rural, créditos e subsídios para a produção rural, saúde, educação e cultura, entre outras, que façam da reforma agrária mais do que distribuição de terras e a transforme em instrumento de melhoria real das condições de vida no campo. Além de contribuir para a reflexão coletiva sobre as possibilidades e limites do trabalho cooperado e autogestionário no atual cenário sócio-econômico brasileiro, abrem-se espaços para refletir sobre os desafios teórico-metodológicos e éticos que se colocam para a Psicologia do Trabalho ao eleger o trabalho rural como objeto de estudo e campo de atuação. Do ponto de vista da formação do profissional de Psicologia, tem sido possível refletir sobre o olhar urbanocêntrico que tem orientado a nossa prática profissional. Tem sido possível ainda questionar a mera transposição de métodos e técnicas de gestão social e do trabalho tradicionalmente desenvolvidas pelas ciências em geral, especialmente a Psicologia, ao longo das últimas décadas no âmbito das organizações de trabalho urbanas, industriais e heterogeridas, dada a sua inadequação aos valores e traços culturais típicos do mundo rural. As informações acumuladas e as experiências vividas até o presente momento indicam que não há receituário a seguir. O fazer a própria receita, em cada contexto e com sujeito específicos, tem sido um desafio enfrentado cotidianamente na relação estabelecida com esses trabalhadores.

ANETE SOUZA FARINA (UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE)

LABORATÓRIO MACKENZIE DE PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL E DO TRABALHO: um projeto de resistência a precarização do trabalho

O Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psicologia Organizacional e do Trabalho investiga os processos e estruturas organizacionais, em seus aspectos relativos ao trabalho, às relações e à saúde do trabalhador. Parte do pressuposto que a contemporaneidade alterou a relação do homem com o trabalho, em razão das contingências e circunstâncias sociais, culturais, políticas e econômicas, que se configuram como elementos de grande desafio para esta área de atuação da Psicologia. Entre as instituições, o trabalho - também uma instituição - exerce importante papel socializador, como meio de construção da identidade pessoal e social, por constituir uma das mais relevantes dimensões do ser social contemporâneo. A Psicologia vê o trabalho muito além de um mero meio de sobrevivência: ele não representa somente uma situação de produção de renda, mas se constitui como fonte de inserção, interação e de satisfação importantes e necessárias, por favorecer a atribuição de significados à existência em sociedade. Psicossociológicamente criam-se exigências e metas cuja consecução se dá através do trabalho, além das novas exigências geradas no e para o próprio mundo do trabalho. A obtenção de satisfação no trabalho está ligada a muitos fatores, com destaque, neste enfoque, para aqueles relacionados à dimensão afetivo-simbólica. Dessa forma, o Núcleo tem como desafio compreender a complexa relação homem e trabalho, e a dinâmica apresentada pelas organizações de trabalho, no atual cenário sócio-econômico, identificar formas de contribuir para o aperfeiçoamento dessas relações e dinâmicas, sejam no contexto das próprias organizações ou de outras relações de trabalho: se, por um lado, o trabalho é um lugar no qual o homem se produz como sujeito, por outro lado se faz necessário articular, à análise deste fenômeno, o horizonte ético/político que participa de forma substancial das organizações e do trabalho. A investigação dos fenômenos e processos organizacionais e do trabalho adota uma leitura dos aspectos culturais, econômicos, históricos, sociais, psicológicos e instrumentais, tanto da perspectiva do indivíduo, do grupo, como da própria organização/instituição, segundo enfoque teórico da Psicologia Social. Considera as relações do homem com o mundo do trabalho como uma das dimensões centrais na constituição de sua subjetividade, e enfoca, também, as transformações a que tais relações estão sujeitas na contemporaneidade. O Laboratório de Psicologia Organizacional e do Trabalho da Universidade Mackenzie está associado ao Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psicologia Organizacional e do Trabalho, com o propósito de agregar ao Laboratório a produção dos conhecimentos desenvolvidos às atividades de formação dos alunos da graduação em Psicologia. Oferece seus serviços de assessoria e consultoria para a comunidade interna e externa à Universidade, em cumprimento a sua proposta extensionista. Entre os seus propósitos buscam, também, consolidar suas linhas de pesquisas, a partir da troca entre alunos de graduação, pesquisadores e a comunidade e ainda elaborar e propor cursos de extensão e aprimoramento, bem como desenvolver novos métodos e estratégias de intervenção nas áreas de estudo. Dessa forma, o estudante, durante a sua formação, passa a construir e aplicar novos conhecimentos a partir de projetos de extensão e pesquisas, ampliando o seu desempenho na área e desenvolvendo novas compreensões sobre o mundo do trabalho, bem como sobre o seu papel profissional no atual contexto. Projetos como de apoio psicossocial para aposentados, desempregados, trabalho e gênero e combate ao trabalho infantil, representam alguns dos projetos de extensão permanentes do Laboratório que são desenvolvidos pelos alunos de graduação e aprimoramento. Entre os objetivos propostos pelo laboratório estão: (a) estudar a Psicologia Organizacional e do Trabalho, em seus diversos campos, visando contribuir para o desenvolvimento da psicologia enquanto ciência e formação. (b) Desenvolver e divulgar pesquisas e estudos de fenômenos relativos às organizações e ao mundo do trabalho, tanto do ponto de vista teórico-conceitual quanto do ponto de vista instrumental.(c) Facilitar o intercâmbio de informações e de conhecimentos entre alunos, ex-alunos, professores e pesquisadores da própria UPM e de outras instituições de ensino e pesquisa. (d) Consolidar as linhas de pesquisa propostas, produzindo novos conhecimentos. (e) Propor e elaborar cursos de extensão, aprimoramento e especialização, relacionados aos campos de estudos e às linhas de pesquisa. Outro aspecto importante que mobilizou o investimento na criação do Laboratório é a oportunidade de criar uma resistência ao estágio remunerado oferecido pelas organizações para os estudantes do curso de psicologia que, em geral, precariza a própria relação de trabalho, bem como compromete a própria formação. O processo ideológico que envolve a regulamentação do estágio remunerado, na forma como se apresenta na atualidade, tem como decorrência a Lei Federal 6494/77 e Decreto Federal 87497/82, cujo propósito foi ampliar a formação acadêmica e habilitar o estudante para o exercício profissional. Essa proposta representou uma grande conquista na inserção do jovem no mercado de trabalho, tanto quanto no processo de capacitação do futuro profissional. Entretanto, essa finalidade parece que foi se perdendo com o passar do tempo, talvez em razão dos problemas econômicos do país. As instituições de ensino superior, em cumprimento a Lei, passaram a celebrar convênios com agências cadastradas que legitimam o vínculo trabalhista dos alunos, na condição de estagiário. Exemplo disso são as instituições que oferecem programas de estágio em nível superior, em dedicação integral. Essa condição de dedicação impõe um paradoxo entre formação e treino, porque subtrai uma parte do período de tempo necessário para que o estudante cumpra com os propósitos acadêmicos, como o estudo e a reflexão crítica. Além disso, as normas e os procedimentos internos do trabalho, como são de responsabilidade da própria empresa concedente, cristaliza a subserviência à produção. O estágio remunerado passou a comprometer a formação do aluno e, principalmente, daquele que cursa Psicologia, foco desta discussão.Considerando que as oportunidades de emprego diminuíram sensivelmente nos últimos anos, os alunos de universidades particulares têm buscado, cada vez mais, estágios que lhes proporcionem a possibilidade de arcar com os custos de ensino e adquirir experiência que é tão exigida no momento de ingresso no mercado de trabalho. Tanto as instituições de ensino quanto os supervisores compreendem estas novas necessidades, no entanto, a maior dificuldade reside em supervisionar as atividades que muitas vezes apresentam sérios problemas de abordagem, tanto do ponto de vista teórico quanto ético. Os processos de socialização massificante, desenvolvidos pela maioria das organizações, transformam estes alunos em verdadeiros "parceiros" o que os impede de exercitarem o adequado papel como psicólogo organizacional, que implicaria em uma ação crítica e, portanto, imparcial nessa fase da aprendizagem. É com o propósito de ampliar o processo de desenvolvimento crítico na área do trabalho e das organizações que o Núcleo e o Laboratório focam seus esforços e procuram contribuir para o desenvolvimento da ciência, da formação do psicólogo.

MARCELO AFONSO RIBEIRO (IPUSP)

SERVIÇO-ESCOLA: UM CONTEXTO DE FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL DAS ORGANIZAÇÕES E DO TRABALHO

A formação em Psicologia tem sido debatida de forma genérica ao longo de sua história, com maior ênfase em algumas áreas, sendo que a área da Psicologia do Trabalho e das Organizações tem repensado sua formação em função das transformações aceleradas do seu objeto primordial de estudo e de intervenção: o mundo do trabalho e das organizações. A formação profissional é marcada pelo indissociável tripé ensino, pesquisa e extensão, que acontece nas salas de aulas, nas supervisões, nos estágios, nas extensões e nas pesquisas realizadas, em geral, centralizadas em torno de um serviço-escola, que, dentro de um contexto universitário, tem a função de organizar, operacionalizar e realizar todas as ações necessárias para a formação e ser uma proposta para o enfrentamento das novas questões trazidas pelo contexto de um mundo em transição. A idéia de um serviço-escola surgiu da transcendência do modelo tradicional de clínica-escola, intimamente ligado a Psicologia Clínica e Psicologia Escolar e um pouco afastado da Psicologia do Trabalho e das Organizações que, apesar dessa constatação histórica, tem saído do encastelamento ensimesmante das organizações e atingido o mundo do trabalho de uma forma mais ampla, como forma de atender às demandas atualmente produzidas. Um serviço-escola deve ter uma proposta teórica, estratégica, ética e política como diretriz geral de funcionamento e não deve atuar de forma isolada, mas vinculado e interligado aos outros serviços-escola oferecidos na universidade do qual ele faz parte. Em termos teóricos, acredita-se que um serviço-escola na área Psicologia do Trabalho e das Organizações deve possibilitar reflexões que sejam focadas na Psicologia Social, fomentem a interdisciplinaridade e promovam a aproximação com a Sociologia, com a Administração, com a Economia, bem como com a Psicologia Política, a Psicologia da Saúde e a Psicologia Comunitária ao entender que a atuação do psicólogo visa promover a dignidade e a emancipação humana e que, em um contexto em transição, a leitura dos processos e relações construídas são mais pertinentes. Essas aproximações devem garantir a interdisciplinaridade e a formação mais generalista, mas devem evitar os ecletismos e fragmentações profissionais tão em voga na realidade do mundo do trabalho, que colocam a multifuncionalidade como competência básica para o trabalhador, sugerindo que pode e deve realizar atividades que não seriam oriundas de sua formação específica, sem qualquer preparação para tal. Essa posição, da qual não compartilhamos, pode construir processos de desidentidade ou de identidades múltiplas extremamente complicados para quem já tem uma identidade profissional minimamente consolidada, e que pode trazer conseqüências complexas para quem está em estágio de formação de sua identidade, como é o caso do estudante que ainda não concluiu seu curso. Nesse sentido, as atividades de um serviço-escola devem ser construídas de acordo com as demandas oriundas da comunidade, dos interesses dos alunos e dos focos temáticos dos projetos do próprio serviço, numa relação dialogada e construída psicossocialmente com o mundo, sendo que o levantamento das demandas e a elaboração de estratégias de pesquisa e intervenção se realiza nessas relações dialogadas e embasadas em teorias e técnicas, consolidadas ou em processo de experimentação, da área da Psicologia Social. Em termos estratégicos, as principais ações, pautadas pelo diálogo e pela construção de objetivos e estratégias em relação com o contexto demandante, não devem privilegiar nenhuma modalidade de intervenção, ou seja, ensino, pesquisa e extensão precisam ser oferecidos de forma equânime, na busca de propiciar o envolvimento do aluno, de preferência, nas três modalidades com o objetivo de promover uma formação generalista e ampla e possibilitar a exploração das mais variadas possibilidade de atuação para o psicólogo focadas na análise das demandas do mundo do trabalho e das organizações e na oferta de reflexões, discussões, pesquisas e intervenções contextualizadas, atualizadas e úteis para o aluno, para a comunidade científica e para a sociedade em geral. Em termos éticos, deve buscar a reflexão e a discussão das implicações éticas de toda ação proposta, inclusive em contato íntimo com a análise do Código de Ética dos Psicólogos e dos Comitês de Ética em Pesquisa de cada instituição de ensino, partindo do pressuposto de que a ética é um princípio, mas também uma práxis operada no cotidiano da atividade profissional, que por suas nuanças, muitas vezes passa desapercebida e fica invisível, entretanto gera conseqüências importantes, que não pode ser relegadas, nem acobertadas. Em termos políticos, deve-se tentar fomentar no aluno a idéia de que toda ação profissional é política por essência, pois ao agir sobre o cotidiano provoca transformações ou mantém o instituído, e que toda ação profissional implica em conseqüências que tem que ser percebidas, analisadas e avaliadas, pois é falsa a idéia de que toda ação do psicólogo é intrinsecamente boa ou marcada pela neutralidade técnica. A extensão pode privilegiar, por exemplo, ações que busquem modificar determinada situação de inviabilizem a dignidade humana ou a oferta de cursos voltados para os trabalhadores e que possam fugir da tendência de cursos instrumentais e operacionais para alcançar o patamar da reflexão, da conscientização, da crítica e das possibilidades de intervenção nos contextos do trabalho e das organizações, na tentativa de configurar a área da Psicologia Social do Trabalho e das Organizações enquanto área crítica, ética e envolvida com princípios de emancipação humana a partir do trabalho. Em um contexto em transição, a constatação de que o mundo e a realidade do trabalho são processuais e dialéticas é condição fundamental e um compromisso para a Psicologia Social do Trabalho e das Organizações, no sentido de reflexão crítica, promoção de concepções e estratégias que possam fornecer subsídios às novas exigências teórico-técnicas e éticas da área no século XXI e formulação de uma proposta de princípios para o futuro. Essa proposta deve se processar através das ações do cotidiano, não somente de uma carta abstrata de princípios, pois o mundo se constrói na reflexão e na ação sobre o mundo e, nesse sentido, o psicólogo tem um papel sociopolítico enorme que deve se manifestar por seus princípios e ações acadêmicas, mas que possam se estender para os âmbitos psicossociais e políticos, sendo todas as três dimensões (ensino, pesquisa e extensão) indissociáveis.

   
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