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ANAIS DO XIV ENCONTRO NACIONAL DA ABRAPSO - RESUMO
ISSN 1981-4321

Tema: Mesa Redonda - Histórias, Teorias e Metodologias

ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS DE PESQUISA EM UMA VERTENTE CRÍTICA DA PSICOLOGIA SOCIAL"

Autores:
Esta mesa tem por objetivo discutir algumas das metodologias utilizadas em pesquisa em uma vertente crítica da Psicologia Social. A discussão busca explicitar os aspectos teóricos e metodológicos que orientam três diferentes estratégias de pesquisa: a observação, o uso de incidentes críticos no estudo de redes e o uso de multi-métodos. Os três textos abordam as especificidades do uso de cada uma das estratégias e as aproximações e divergências com outros campos de saber como a Antropologia, a Etnometodologia, a Psicologia, a Teoria Ator-Rede, entre outros. Deste modo, a primeira apresentação: "Considerações sobre a observação no/do cotidiano em Psicologia Social", discute as noções que orientam o uso da observação em pesquisas colaborativas.Neste texto os (as) autores (as) abordam a centralidade do uso da observação das e nas relações cotidianas, explicitam como em uma perspectiva crítica a observação tem sido utilizada, ressaltam a importância de reconhecer a participação dialógica do (a) pesquisadora (a) em todo o processo de pesquisar e finalmente, apresentam as similaridades e divergências com os usos tradicionais da observação em pesquisa. A segunda apresentação: "Incidentes críticos como ponto de partida para desembrulhar redes", aborda como os incidentes críticos têm sido usados nos estudos que buscam visualizar e/ou desconstruir redes. Nessa linha, as autoras apontam que as controvérsias são momentos privilegiados para visualizar os atores humanos e os não humanos situados em redes, já que são uma ruptura com o habitual e demandam que os diferentes atores e materialidades envolvidos na rede sejam re-posicionados e se re-posicionem.A terceira apresentação: "A pesquisa em situações sociais complexas: o imperativo do uso de multi-métodos" focaliza a necessidade de articular diferentes metodologias para dar conta da complexidade de algumas situações sociais. As ferramentas metodológicas discutidas incluem entrevistas, observações em diferentes locais, conversas com atores e interlocutores (as) privilegiados (as), levantamento e análise de documentos. Trata-se de uma perspectiva que entende a pesquisa como sendo dialógica e que busca demonstrar a rede de negociações presentes durante todo o processo.
 
 

Resumo das Falas

JACQUELINE ISAAC MACHADO BRIGAGÃO (ESCOLA DE CIÊNCIAS ARTES E HUMANIDADES DA UNIVERSIDADE SAÕ PAULO (EACH/USP))

CO-AUTOR
RICARDO PIMENTEL MELLO
(DOCENTE DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ (UFC))

CONSIDERAÇÕES SOBRE A OBSERVAÇÃO NO/DO COTIDIANO EM PSICOLOGIA SOCIAL

A utilização da observação como estratégia de pesquisas remonta, certamente, às origens do conhecimento científico, que requer um olhar atento, o exame. Apesar da concordância em torno da importância da observação, isso não impede que existam posturas e práticas diversas no uso desta ferramenta. Uma delas, que poderíamos chamar de clássica, refere-se ao uso da observação como um método que combinado ao controle das condições onde é realizado tem a capacidade de retratar as coisas e a realidade como "elas realmente são". Há também uma perspectiva inversa, que se atualiza nas diversas modalidades de pesquisa colaborativa, que reconhece a participação do pesquisador (a) na situação pesquisada, demandando do (a) pesquisador (a) o envolvimento nas atividades pesquisadas. Neste trabalho temos por objetivo discutir a potencialidade do uso da observação nas pesquisas em Psicologia Social e situando as diferentes maneiras como esta tem sido utilizada quando o tema-campo aborda situações complexas. Buscamos, também, apresentar as noções de conhecimento que orientam essas pesquisas. As relações cotidianas tem sido o foco de muitas pesquisas em uma vertente critica e política de Psicologia Social que busca refletir sobre os desafios e dilemas do presente e articulá-los com as construções históricas que o atravessam transversalmente e estão sempre a mediar as possibilidades deste presente. Nesse sentido, a observação atenta deste cotidiano, das redes que o constituem, dos incidentes críticos e dos modos como as pessoas se organizam e se relacionam tem sido uma parte fundamental do nosso processo de pesquisar. Sem dúvida que não se trata da observação clássica, posto que nos posicionamos entre os afirmam que conhecimento não "reflete a realidade". Nos aproximamos de uma postura colaborativa, porém, não buscamos imprimir às relações cotidianas pesquisadas, uma determinada prática por considerarmos ser a mais correta, mas sim, buscamos dar visibilidade às múltiplas facetas que circulam nas relações pesquisadas. O foco da intervenção (não há como ser neutro) é a multiplicidade. Podemos dizer que, na perspectiva crítica de Psicologia Social, em que trabalhamos a observação tem sido utilizada de três diferentes modos: Na primeira modalidade a observação constitui um primeiro momento de pesquisa, no qual realizamos uma primeira leitura de como os fatos que pesquisamos são construídos e mapeamos o campo. Este momento é fundamental porque nos dá elementos para situar o contexto político, histórico e social da pesquisa e nos possibilita identificar incidentes críticos, informantes privilegiados e muitas vezes redefinir o eixo das pesquisas.Neste enquadre, a observação não é o foco metodológico, mas estratégia de inserção do (da) pesquisador (a) na situação de pesquisa. A segunda modalidade toma a observação como uma estratégia de que nos permite uma aproximação com o cotidiano de pessoas e grupos que estamos interessados em pesquisar. Esta observação é feita de maneira sistemática, todos os dados são registrados em diário de campo e pode ser realizada algumas horas por dia, ou por semana, sem que o (a) pesquisador precise estar inserido no cotidiano de um grupo específico. Finalmente uma terceira modalidade, a observação é um dos recursos utilizados quando fazemos pesquisa a partir da convivência diária com um determinado grupo social. Neste caso falamos em observação no cotidiano, o que significa dizer que a pesquisa é realizada a partir da inserção do (da) pesquisador (a) no grupo social a ser pesquisado.Ou seja, o (a) pesquisador (a) passa a viver o cotidiano das pessoas que esta pesquisando e muitas vezes muda de casa, de cidade ou de país assumindo a posição de pesquisador (a) ativista. Nesta perspectiva, há aproximação com a pesquisa de tipo etnográfico embora ,como veremos a seguir o pressuposto de colaboração lhe dê os contornos éticos-politicos de Psicologia Social crítica A observação seja do ou no cotidiano, facilita a troca de saberes e a interação entre pesquisadores(ras) e pesquisados(das) criando espaço para pesquisas colaborativas (Nunes 2006). Este tipo de pesquisa permite que pesquisadores (as) e pessoas de um determinado grupo social mobilizados pelas mesmas questões sociais possam dialogicamente elaborar ou (re)- elaborar problemas de pesquisa e estratégias de ação. Nesse enquadre é o olhar de dentro e o compromisso político com o grupo que dá os contornos específicos. Essas modalidades de observação estão sendo construídas a partir de algumas noções sobre a produção de conhecimento em Psicologia Social que iremos apresentar brevemente. A primeira destas noções é a de que toda e qualquer pesquisa gera algum tipo de transformação na realidade, mesmo que não seja extensa ou profunda, e que mesmo quando essas transformações estão restritas aos nossos pares, ou aos participantes da pesquisa ela traz novos conhecimentos e coloca em jogo conhecimentos consolidados. Este argumento está fundado na perspectiva de que não existe pesquisa neutra e que os resultados e o próprio processo de pesquisar é sempre um modo de questionar o "status quo" do conhecimento em uma área, seja para reafirmá-lo ou para transformá-lo. Uma segunda noção é a de que não existe observação ou pesquisa neutra. Daí não utilizarmos o termo "observação participante" já que, para nós, não existe observação que não seja participante porque, mesmo quando não há interação direta entre observador e observados a observação sempre será feita de um ponto de vista específico. Assim, o (a) pesquisador (a) nunca é um observador (a) neutro (a) ele (a) sempre observa a partir de um determinado ponto de vista e é este que orienta o saber que esta sendo construído. Ou seja, de acordo com Donna Haraway (1991), uma das autoras feministas com quem temos dialogado, todo conhecimento é local, parcial e situado: é preciso reconhecer e situar de onde falamos, para quem falamos e com quais objetivos. Uma terceira noção que orienta a observação no cotidiano é a de há sempre uma troca de saberes ente pesquisador (a) e pesquisados (das), e que, à medida que observamos e participamos do cotidiano das pessoas e dos grupos, estabelecemos um diálogo que permite a ambos os interlocutores produzirem novos conhecimentos. A quarta noção a ser discutida está intimamente relacionada com as anteriores e diz respeito aos modos como relatamos nossas pesquisas quando a principal estratégia é a observação. Os textos que produzimos estão atrelados a este modo de pesquisar o que os tornam radicalmente diferentes do modo de escrita tradicional da ciência. Ou seja, na maioria das vezes são escritos de modo a permitir que as "vozes" do/no cotidiano observado sejam parte integrante do texto e possam explicitar a reflexividade do pesquisador e as posições que este ocupa no fluir da observação do/no cotidiano daí serem escritos na primeira pessoa.

DOLORES CRISTINA GOMES GALINDO (GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM PRÁTICAS DISCURSIVAS E PRODUÇÃO DE SENTIDOS PUCSP)

CO-AUTORAS
FLÁVIA REGINA GUEDES RIBEIRO
(GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM PRÁTICAS DISCURSIVAS E PRODUÇÃO DE SENTIDOS PUCSP)
MARY JANE SPINK (DOCENTE DO PROGRAMA DE PÓS - GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL DA PUC/SP)


INCIDENTES CRÍTICOS COMO PONTO DE PARTIDA PARA DESEMBRULHAR REDES

Este trabalho tem como objetivo discutir a noção de incidentes críticos como recurso para o estudo de redes na perspectiva da teoria de práticas discursivas e produção de sentidos. Para tal, inicialmente, abordamos algumas das interlocuções teóricas que fornecem apoio para sua conceituação e, em seguida, apresentamos exemplos de como pode ser usada em Psicologia Social. Incidentes críticos podem ser definidos como eventos que dão visibilidade às diferentes posições de atores sociais situados em uma controvérsia e às possibilidades de negociação entre eles. É possível encontrar as bases para a definição de incidentes críticos em diferentes correntes teórico-metodológicas, dentre as quais se destacam a Teoria Ator-Rede, a Psicologia Discursiva e a Etnometodologia. As controvérsias são momentos privilegiados para visualizar os atores humanos e não humanos situados em redes uma vez que rompem o habitual exigindo que os diferentes atores se posicionem e sejam posicionados pelos demais. Estamos chamando de controvérsias a contestação de sentenças ou fatos tidos como verdadeiros que mobilizam atores, arregimentam recursos e participam da construção de fatos (Latour, 2000). Nestas, entra em cena um ator coletivo: um ator-rede que não pode ser reduzido nem aos atores individuais nem à rede. A noção de rede aqui é reconhecida pela sua heterogeneidade, por possuir múltiplas entradas e por ser caracterizada pela presença de subconjuntos restritos que apresentam fatores e relações de interferências entre si (Law, 1999). Tais redes se tornam visíveis por meio de incidentes que nos conduzem pelo emaranhado de fios e nós que tecem os atores sociais. Ao longo de uma controvérsia, as posições dos atores se definem por aquilo que fazem, incluindo-se nessa definição humanos e não humanos. Trata-se de estudar os pontos de quebra em redes que sustentam fatos conferindo-lhes uma aparente autonomia: atores, ações e conexões. O estudo da controvérsia nos leva à necessidade de compreender quais são as posições de pessoa tornadas possíveis. Para isso, buscamos apoio na Psicologia Discursiva (Davies e Harré, 1990), recuperando a noção de posicionamento e ampliando-a no sentido de incluir também atores não humanos, contemplando as materialidades que também participam dos universos relacionais. No cotidiano, as pessoas descobrem a extensão e a aplicação das regras no momento nos quais as colocam em prática, elas descobrem também que tais regras podem não ser aplicáveis ou funcionar de maneira suficientemente adequada. É quando tais regras geram estranhamentos em relação à organização habitual do cotidiano que são negociados novos posicionamentos na interação. Incidentes onde o fluxo cotidiano habitual é rompido são excelentes momentos para o estudo das posições dos atores em cena. Neste ponto, destacam-se as pesquisas etnometodológicas, sobretudo, aquelas que buscam compreender como a introdução de situações estranhas gera relatabilidade por parte de atores sociais, forçando-os a explicar normas até então obscurecidas pelo hábito (Garfinkel, 1967). Há várias possibilidades para o emprego de incidentes críticos como recurso na pesquisa em Psicologia Social dos quais mencionaremos alguns. Um incidente crítico pode ser uma mobilização de atores em torno de determinados fatos científicos ou políticas públicas na área da saúde. Esse modo de utilizar a noção de incidente crítico pode ser identificado na dissertação de mestrado da psicóloga social Dolores Galindo (2002) que visou analisar o uso de dados científicos como argumento. Neste trabalho, incidentes críticos foram definidos como eventos-chave que podem ilustrar aspectos que se deseja investigar, funcionando como possibilidades de micro-análises para entrever processos de construção de sentido sobre um dado fenômeno. Trata-se aqui do uso de incidentes críticos como ilustração. Em pesquisas que buscam analisar discursivamente documentos de domínio público, como a tese do psicólogo social Jefferson Bernardes (2004) que pesquisou o debate atual sobre a formação em Psicologia no Brasil. A noção de incidentes críticos pode ser usada na seleção dos documentos para análise. Para auxiliar a identificação de incidentes críticos, o autor realizou contatos com profissionais envolvidos na discussão sobre a formação em Psicologia, que auxiliaram o pesquisador na identificação de tais incidentes. Trata-se aqui do emprego de incidentes críticos para identificar documentos cuja produção integra a resolução de controvérsias. Foram selecionados documentos, conforme os seguintes critérios: a) caracterizados pelos interlocutores como um incidente crítico; b) importância do documento para a identificação das permanências e tentativas de renovações nas práticas discursivas referentes ao debate sobre a formação em Psicologia. Na seleção dos documentos não foram buscados os mais representativos de cada período uma vez que todos são polissêmicos e hipertextuais. Procurou-se identificar aqueles que permitiam a visualização dos movimentos de permanências e tentativas de renovações que teciam as redes das práticas discursivas em torno da formação em Psicologia no Brasil. Nos dois exemplos citados, a análise de incidentes críticos não coincide com o estudo dos grandes eventos ou documentos considerados importantes; pode coincidir com momentos ou documentos que do ponto de vista da história de uma área pareçam mesmo insignificantes. Assim, vale a pena considerar dois cuidados metodológicos: (1) evitar que os eventos selecionados sejam tomados como representativos de uma série maior de eventos e (2) expor os critérios utilizados para seleção de cada evento crítico, deixando ao leitor margem para o diálogo. A noção ainda pode ser útil para pesquisas que buscam entender a rede de atores em que se estabelece uma determinada controvérsia. Ou seja, o incidente permite ao pesquisador ter a descrição de determinadas redes e identificar os atores envolvidos na controvérsia em questão. É o caso do trabalho da aluna de mestrado Flávia Ribeiro (2007) que usa a noção como evento que dá visibilidade às diferentes posições acerca das controvérsias do abortamento legal. Para entender um incidente crítico numa análise macrosocial, a pesquisadora elegeu a mídia como principal cenário para esses incidentes, o que possibilita identificar a configuração das controvérsias que permeiam o tema. Trata-se aqui de incidentes críticos como recurso para identificação de atores situados em controvérsias. Nos exemplos apresentados, vemos que algumas controvérsias conduzem a mudanças, outras tão somente reificam a ordem pré-existente - embaraços que não permitem identificar quem fala, mas tão somente porta-vozes (Latour, 2004). A identificação dos atores, do que está em jogo e das articulações entre eles, por meio de incidentes críticos, conduz à pergunta acerca dos efeitos de poder que são constituídos nessas redes heterogêneas. Tal desdobramento constitui um caminho a ser explorado em novas pesquisas.

MILAGROS GARCÍA (DOCENTE DA UNIVERSIDAD CENTROCCIDENTAL LISANDRO ALVARADO (UCLA) - VENEZUELA.)

CO-AUTORAS
ROSINEIDE DE LOURDES MEIRA CORDEIRO
(DOCENTE DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE))
MARIA AUXILIADORA RIBEIRO (DOCENTE DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS (UFAL))
RAFAELA A.COCCHIOLA SILVA (DOCENTE DA  UNIVERSIDADE ANCHIETA DE JUNDIAÍ (UNIANCHIETA)
)

A PESQUISA EM SITUAÇÕES SOCIAIS COMPLEXAS: O IMPERATIVO DO USO DE MULTI-MÉTODOS

Nossa proposta no presente trabalho é apresentar reflexões metodológicas sobre as pesquisas em Psicologia Social de cunho construcionista que são construídas a partir das observações oriundas da convivência com determinados grupos ou pessoas em contextos sociais e linguisticamente pautados. Tradicionalmente, os estudos em Psicologia privilegiam apenas um método de pesquisa na análise. As pesquisas aqui apresentadas cujo foco são as densas relações que se estabelecem entre o (a) pesquisador (a) e as diferentes pessoas e grupos, partem de diferentes objetivos e com a utilização de diversas metodologias, entre elas, as entrevistas, observações em diferentes locais, levantamento de documentos e conversas com atores e interlocutores (as) privilegiados (as) . Tais métodos no processo de análise constroem uma rede de negociação de sentidos sendo considerados na dialogicidade dos discursos. Em todas elas, o "fazer" pesquisa está ancorado na construção de procedimentos metodológicos que são delineados a partir do processo dinâmico de trocas e de novas configurações que as relações sociais entre pesquisador (a) e seu campo de investigação propiciam. Tais relações vão se construindo ao longo do tempo e busca-se reconhecer as potencialidades presentes nestas relações, potencialidades que podem provocar mudanças em diversos níveis. Isto requer de nós uma postura crítica e comprometida não só nas relações e nas práticas, mas também no uso de teorias explicativas. Assim, essa modalidade de pesquisa nos permite, coletivamente, construir novos modos de compreender o mundo. Entretanto, esse processo de pesquisa que elege o fazer coletivo como um dos elementos importantes na produção de conhecimento rompe com o que é convencionalmente aceito como pesquisa ou reconhecido como ciência. Mas para nós, no campo da Psicologia Social, nas observações e nas conversas no cotidiano com as pessoas, negociamos sentidos, reconhecemos e aprendemos com os saberes locais e nos posicionamos como mediadores das relações e dos saberes, e, mais que tudo, tentamos ser úteis para os grupos com os quais trabalhamos. Nesse sentido, a pesquisa é construída a partir do que se aprende na convivência social, nos embates do dia a dia, nas relações com os outros(as) aliados (as) ou não. Contudo, vale salientar, que essas relações envolvem cooperação, conflitos e disputas. Ou seja, pesquisadores(as), pessoas e grupos pesquisados estão envolvidos em relações de poder. Um outro princípio, diz respeito a preocupação com as conseqüências das pesquisas para as pessoas envolvidas no processo de construção coletiva que abrange, não só os resultados das pesquisas, mas tem por finalidade o delineamento de ações que tenham um compromisso ético e político com as questões sociais e com a produção do conhecimento. Ilustramos esta perspectiva de observação realizada na Psicologia Discursiva no enquadre Construcionista com três exemplos. O primeiro exemplo concerne modos de "desembrulhar" redes em situações sociais que envolvem atores posicionados. Assim, na pesquisa desenvolvida por Milagros Garacia Cardona (2004), o trabalho de observação foi realizado em uma região do semi-árido da Venezuela, cenário de trabalhos de pesquisa anteriores, da pesquisadora. A partir de uma conversa com um agricultor de plantação de cebola sobre quais os locais de compra de agrotóxicos ou onde poderia obter informações a respeito de como procurar auxílio em caso de problemas de saúde na região, a pesquisadora teve acesso aos diferentes atores envolvidos no processo. Esta primeira conversa gerou itinerários e redes de contatos, identificação de documentos, novas conversas e entrevistas com atores que, no seu conjunto, tecem as relações e compõem os cenários dos usos de agrotóxicos nesta região: sanitaristas, médicos (as), educadores (as) de saúde, agricultores (as), fazendeiros, vendedores de agrotóxicos e formuladores de políticas públicas que configurava a questão dos riscos no uso de agrotóxicos, nos seus diferentes sentidos, seu problema de pesquisa.. No segundo exemplo de pesquisa de observações na convivência, Rosineide Cordeiro (2004) apresenta que o caminho metodológico percorrido foi iniciado por intermédio de uma representante do Movimento de Mulheres Trabalhadora Rural do Sertão Central de Pernambuco, com o status de pesquisadora próxima ao Movimento e, a partir dessa entrada, foi possível conhecer o movimento e as pessoas que participavam do mesmo, sua organização e principais lideranças. As observações do cotidiano do povo de Jatiúca - local que a pesquisadora morou e conviveu com as pessoas da cidade por um período de 6 meses - não privilegiava nenhum lócus de conversas e contatos. Após esta inserção, a pesquisadora teve acesso além das interações com as pessoas do lugar e das entrevistas, a documentos de domínio publico produzidos pelo movimento que estava estudando e assim entender os usos da nomeação 'mulher trabalhadora rural' como estratégia identitária de empoderamento e de obtenção de direitos pelas mulheres no sertão central de Pernambuco. No terceiro exemplo, Maria Auxiliadora Ribeiro (2003) trata da questão da pesca artesanal no nordeste brasileiro, na região de Ipioca, e busca, a partir de observações, entrevistas e arquivos de documentos, entender os sentidos da pesca, os repertórios utilizados pelos diferentes atores para falar da problemática da pesca e, desta maneira, descrever os espaços políticos de negociação, de forma a solucionar o problema da pesca, uma vez que os pescadores dependem dela para sobreviver; os ambientalistas estão preocupados com o desenvolvimento sustentável e os políticos e agentes do turismo buscam ampliar a atividade turística local. Os três exemplos sugerem que a pesquisa em situações sociais complexas envolve interesses, por vezes em conflito, e atores diversos. Demonstram como estas pesquisas foram co-construídas, onde os (as) vários (as) interlocutores (as) envolvidos (as) nos mais diferentes problemas sociais que compõem o campo-tema de investigação são ouvidos, buscando a compreensão e a transformação das situações de relevância local. O fazer pesquisa em Psicologia Social aqui apresentado, requer, portanto,a compreensão que a pesquisa é uma prática social na qual se dá um interjogo de poder e resistência, que questiona nossos próprios pressupostos culturais. As opções metodológicas adotadas resultam de processos que nem sempre podem ou devem ser previstos em planos e cronogramas rigidamente traçados. O uso de uma multiplicidade de métodos de observação, levantamento de documentos, entrevistas e conversas com interlocutores (as) privilegiados (as), é uma das estratégias que em seu conjunto proporcionam uma visão caleidoscópica da vida cotidiana.

   
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