Este estudo aborda os sentidos conferidos a mutilações faciais focalizando a investigação a partir das percepções que os indivíduos têm de si mesmos e as implicações psicossociais acarretadas quando passam por mutilações desta natureza. "Por que não encontramos mutilados de face pelas ruas?" Em especial, a medicina e a odontologia têm apresentado suas soluções para a questão da mutilação de face. No contexto de realização desta pesquisa, observa-se que uma melhoria na qualidade de vida de pacientes é oferecida através de serviços realizados no Centro de Reabilitação Buco-Maxilo-Facial que funciona no Hospital de Câncer de Pernambuco. A prótese Buco-Maxilo-Facial visa a restaurar deformidades visíveis, restituindo funções como deglutição e mastigação, estética e a auxiliar no aspecto psicológico dos pacientes. Tais serviços, além de procurar melhorias funcionais e físicas como a eliminação da realização de curativos diários, objetivam fazer com que os pacientes não se percebam tão diferentes das demais pessoas pelo fato de possuírem uma mutilação facial através da produção de próteses faciais tipo oculares, óculo-palpebrais, auriculares e nasais moveis. A fabricação destas próteses faciais é um trabalho extremamente artístico, realizado pela odontóloga Eliane Revorêdo que, dentro das limitações financeiras, espaciais e possibilidades ofertadas e vivenciadas no Hospital de Câncer de Pernambuco, utiliza a resina como material e adaptação tipo mecânica com óculos para as próteses por ela produzidas Na contemporaneidade encontram-se algumas soluções ofertadas para reparar uma mutilação de face, como a fabricação e adaptação de próteses faciais com o uso de silicone como material e encaixes das próteses por implantes. Também, há aproximadamente um ano, a imprensa já noticiou e mostrou os resultados do primeiro transplante facial realizado no mundo. Tal caso denuncia que, além dos mutilados de face por ocorrência de neoplasias, não se pode esquecer a existência daqueles mutilados em decorrência de traumas crânios-faciais a partir de acidentes, por resultado de ato de violência e até mesmo por livre e espontânea vontade em decorrência de cirurgias plásticas. A recorrente insatisfação com a própria imagem, aparentemente quase inalcançável, faz-nos retomar, a partir do olhar lançado a partir da psicologia, a noção de corpo como reflexo da sociedade e de sua cultura, não sendo possível conceber processos exclusivamente biológicos, instrumentais ou estéticos no comportamento humano. É visível, ainda, a "invisibilidade" dos mutilados faciais por onde quer que andemos. Apesar de, separadamente serem discutidas pela odontologia e medicina, pela fonoaudiologia, psicologia, serviço social, e por outros profissionais que se engajam nos cuidados à saúde da pessoa portadora de mutilação, esta continua a ser tratada sobre o viés bio-médico e prescritivo. Ainda, são escassos os investimentos no sentido de compreender os significados do agravo, alternativas coletivamente dialogadas e compartilhadas entre a equipe técnica, o paciente e sua família, diante da nova situação que se apresenta. A psicologia, então, configura-se como um campo teórico-prático, caracterizado por sua multiplicidade de áreas afins, com diferentes acepções, interesses, funções, objetivos e instrumentos de trabalho. O que poderia explicar o caráter de multiplicidade da psicologia seria o fato desta lidar com o indivíduo, ou seja, ter por objeto o ser humano compreendido em seus traços e características decorrentes do biológico, sociológico e do cultural. Questões referentes a mutilações faciais ainda carecem de discussão, não apenas em meio acadêmico e científico, assim como também pela sociedade em geral não só ao que diz respeito a questões éticas. A sociedade em que vivemos e sua cultura ocidental nos ensina a perceber e interpretar as mudanças que ocorrem em nosso e no corpo dos outros Hoje, especificamente as mulheres (mas cada vez mais homens), praticam mutilações para benefício estético como cirurgias plásticas no rosto e nos seios e ainda são adeptas as supervalorização do corpo esbelto e da busca pela "imagem perfeita". A recorrente insatisfação com a própria imagem, aparentemente quase inalcançável, faz-nos retomar, a partir do olhar lançado a partir da psicologia, a noção de corpo como reflexo da sociedade e de sua cultura, não sendo possível conceber processos exclusivamente biológicos, instrumentais ou estéticos no comportamento humano. Neste sentido, a atual proposta se inscreve no âmbito de um esforço apreendido com a ciência antropológica de formar um "olhar de fora", estranhar o familiar, consensual e prescritivo sobre as discussões, explicações e possíveis soluções que são conferidas à questão da mutilação facial e sua reabilitação - protética ou via transplante. Pretendeu-se isto através do deslocamento do saber das ciências biomédicas rumo aos próprios sujeitos, na lida com o evento da mutilação. Tendo posto, a amostra da pesquisa foi composta por 10 (dez) pacientes do ambulatório de Cabeça e Pescoço do Hospital de Câncer de Pernambuco, com idade mínima de 16 (dezesseis) anos, de ambos os sexos, que passaram por algum tipo de mutilação facial e foram encaminhados por seus médicos ao Centro de Reabilitação Buco-Maxilo-Facial para a confecção de uma prótese. Como procedimentos metodológicos, optamos por utilizar como técnicas observação participante e entrevista semi-dirigida, sendo esta última realizada em duas ocasiões: antes e depois da produção e adaptação da prótese facial. Dentro dos enquadres da pesquisa qualitativa, através de entrevista semi-dirigida procurou-se observar o discurso do sujeito com o advento da mutilação e após a prótese facial através das categorias de análise: aspectos afetivos em relação a mutilação, percepção social, relações sociais e projetos de vida. Como modelos de análise para tratamento dos dados, optamos pela análise temática onde, através da leitura exaustiva do material obtido, é possibilitada a descoberta de núcleos de sentido a partir dos quais se procedeu com a aproximação com as teorias que guiaram o estudo. Vale ressaltar que tanto a freqüência quanto a presença de algum elemento foi significativo para o objetivo analítico. Os resultados indicaram ser intenso o valor atribuído a cabeça e ao rosto, sendo este repleto de sentimentos e atravessado por demandas da sociedade e/ ou do meio em que vivem. Percebemos, então, o quanto o ser humano, de uma maneira geral, tem como de extrema importância a imagem da sua cabeça.Foi possível identificar que além do caráter biológico da mutilação facial, funções emocionais, sociais e culturais se fizeram presentes das respostas dos sujeitos, corroborando a hipótese de que questões como estas estão ao alcance de ciências como a Antropologia a Sociologia e a Psicologia. Ainda, pensar e discutir o tema em questão pretende colaborar para o "desmontar" gradativo de estigmas já existentes, que contribuem para que este que passa por uma mutilação facial, já acometido pela perda de uma parte de si estacione a sua vida, abandonando suas relações familiares, sociais e projetos de vida. |