A ludoterapia centrada na criança é a aplicação dos princípios da abordagem centrada na pessoa à psicoterapia infantil. Desenvolvida por Carl Rogers, a abordagem centrada na pessoa apoia-se fundamentalmente no pressuposto da tendência atualizante, que pode ser definida como a confiança do terapeuta na tendência do indivíduo para crescer, desenvolver-se e atualizar-se, e sua única função é criar um clima interpessoal que promova a liberação desta tendência. De acordo com Rogers, as atitudes de empatia, consideração positiva incondicional e congruência, quando presentes em qualquer relacionamento interpessoal, promovem a liberação desta tendência atualizante (Rogers, 1959). Conseqüentemente, a ludoterapia centrada na criança não se baseia em técnicas, mas em atitudes terapêuticas vivenciadas de forma genuína pelo terapeuta. Moustakas (1953/1974) afirma que na essência de cada encontro terapêutico estão as "atitudes básicas de fé no potencial da criança para encontrar um caminho saúdavel, aceitação das ações e palavras da criança, e respeito pelo estilo, peculiaridade e forma de ser e de se expressar da criança" (p. ix). O terapeuta se dedica a criar uma relação calorosa e de compreensão na qual a criança se sinta aceita exatamente como ela é naquele momento. Segundo Dorfmann (1951/1992), o terapeuta não tenta moldar a criança em nenhuma forma socialmente aprovada. Ele permite que a criança expresse todos os seus sentimentos e demonstra aceitação do direito da criança de sentir-se da forma como se sente. O elemento terapêutico da ludoterapia centrada na criança está na relação que se estabelece entre a criança e o terapeuta. É a experiência de ser aceita e valorizada incondicionalmente que promove a liberação das forças de crescimento da criança e a mudança terapêutica. Objetivo: O objetivo desta pesquisa é investigar os resultados dos atendimentos em ludoterapia centrada na pessoa com crianças e adolescentes em situação de risco que são realizados pelos estagiários de psicologia clínica em instituições da periferia da cidade de Porto Alegre que oferecem atividades sociais e educacionais no turno inverso ao da escola. Método: Utilizou-se um delineamento quasi-experimental, num contexto naturalista, com pré-teste e pós-teste. Foram convidados a participar deste estudo os pais das crianças e jovens que são atendidos pelos estagiários de psicologia clínica , bem como os educadores das instituições que interagem cotidianamente com estas crianças e jovens. O instrumento utilizado foi o Questionário de Capacidades e Dificuldades (Strengths and Difficulties Questionnaire, SDQ). O SDQ é um questionário de aplicação rápida, com apenas 25 ítens, utilizado para avaliar problemas de saúde mental infantil, divididos em 5 sub-escalas: sintomas emocionais, problemas de conduta, hiperatividade/falta de atenção, problemas de relacionamento com colegas e comportamento pró-social. Também foram realizadas entrevistas com pais e educadores antes e após a intervenção. Resultados: Até o momento, pais e educadores de 12 jovens (7 meninos e 5 meninas, com idades entre 5 e 13 anos, e média de 8 anos) participaram da avaliação. Os motivos de encaminhamento destes jovens para psicoterapia foram agressividade com colegas e educadores (N= 8), comportamento oposicional (N= 5), hiperatividade (N= 3) e isolamento social (N= 4). Os jovens tiveram, em média, 9 sessões de ludoterapia, durante um período de 3 a 7 meses (média de 4 meses). De acordo com os pais e educadores entrevistados, todos os jovens que foram encaminhados por comportamento agressivo, oposicional ou hiperatividade tornaram-se mais calmos e mais tranqüilos, com melhoria nos relacionamentos com pares e professores. Os jovens que foram encaminhados ao atendimento devido ao isolamento social foram percebidos como se tornando mais integrados com seus pares e estabelecendo maior comunicação interpessoal. Além, disso foi apontada uma melhora considerável em seus desempenhos escolares, bem como um aumento na motivação para aprender. Apesar do tamanho pequeno da amostra (n= 10), o teste Wilcoxon indicou uma redução significativa nos escores do SDQ preenchido pelos educadores após terapia (M = 12.3, SD = 5.5) em comparação com os escores pré terapia (M = 17, SD = 6.4, T = 1, p < 0.05). O tamanho do efeito (d = 0.78) pode ser considerado grande. O SDQ preenchido pelos pais (n=7) também apresentou redução nos escores (MT¹= 20.1, SD= 5.4; MT²= 16.7, SD= 7.3). Contudo, esta redução não atingiu significância, provavelmente devido ao tamanho ainda mais reduzido da amostra, na medida em que o tamanho do efeito (d = 0.53) foi médio. Conclusões: A ludoterapia centrada na pessoa propiciu a estes jovens em situação de risco uma relação interpessoal de aceitação, compreensão e confiança que abriu para eles a oportunidade de uma nova forma de se relacionarem com os outros e com eles mesmos. Pesquisas no campo da resiliência apontam que crianças em situação de risco que tenham uma percepção positiva de si mesmas têm uma maior capacidade de lidar com a adversidade e o risco (e.g., Masten, 2001; Pesce, Assis, Santos & Oliveira, 2004; Rutter, 1993; Werner & Smith, 2001). Desta forma, embora a experiência de ludoterapia não tenha reduzido o risco presente nas vidas destes jovens, ela propiciou o desenvolvimento de auto-estima e auto-eficácia, que podem reduzir a tendência destes jovens de serem pegos no círculo viciante normalmente gerado dentro de contextos de pobreza. Por exemplo, estas novas aquisições podem propicionar a estes jovens maiores chances de continuarem na escola, inibindo a tendência destes à evasão escolar. Os resultados positivos obtidos pela ludoterapia centrada na pessoa neste programa apontam para o poder da tendência atualizante e a extraordinária capacidade de resiliência presentes nestes jovens. Palavras chave: ludoterapia centrada na criança, abordagem centrada na pessoa, crianças e adolescentes em situação de risco, resiliência. Referências: Dorfman, E. (1992). Ludoterapia. Em C. R. Rogers (Org.), Terapia centrada no cliente (pp.269-317). São Paulo: Martins Fontes. (Original publicado em 1951) Masten, A. S. (2001). Ordinary magic: Resilience processes in development. American Psychologist, 56, 227-238. Moustakas, C. (1974) Children in play therapy. New York: Ballantine (Original publicado em 1953) Pesce, R. P., Assis, S. G., Santos. N. & Oliveira, R. V. C. (2004). Risco e proteção: Um equilíbrio promotor de resiliência. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 20,135-43. Rogers, C. R. (1959). A theory of therapy, personality, and interpersonal relationships as developed in the client-centered framework. Em S. Koch (Org.), Psychology: A study of science: Formulation of the person and the social context, vol. 3 (pp. 184-256). New York: McGraw Hill. Rutter, M. (2003). Resilience: Some conceptual considerations. Journal of Adolescent Health, 14, 626-631. Werner, E. & Smith, R. S. (2001). Journeys from childhood to midlife. Risk, resilience and recovery. Ithaca: Cornell University Press. |