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ANAIS DO XIV ENCONTRO NACIONAL DA ABRAPSO - RESUMO
ISSN 1981-4321

Tema: Poster - Gênero, Sexualidade, Etnia e Geração

ENCONTROS E DESENCONTROS: POSSIBILIDADES PARA CONSTRUÇÃO DE UMA MORADA EXISTENCIAL.

Autor:
RODRIGO TOLEDO, DANIELA DE MELO JULIANETTI - UNIVERSIDADE SÃO MARCOS
Encontros e Desencontros: Possibilidades para construção de uma morada existencial. Daniela de Melo Julianetti Rodrigo Toledo Universidade São Marcos julianetti@ig.com.br toledordg@yahoo.com.br Em tempos em que a cultura contemporânea acena para o discurso em favor da democracia e da diversidade, observamos a co-existência de diversas concepções de homem, mundo e sociedade e suas inter-relações. Ao nos debruçarmos sobre a ciência psicológica e suas contribuições, na busca de compreender os movimentos das identidades humanas, nosso interesse parte de uma reflexão sobre as diversas trajetórias que os homens encontram para a construção de suas moradas existenciais, através de relações significativas no mundo contemporâneo, principalmente uma parcela da sociedade que encontra-se marginalizada, ou seja, os homens que mantém relações homoeróticas, sujeitos inclinados em uma orientação sexual pautada em um desejo em comum, mantendo relações e atração pelo mesmo sexo. Tomamos como eixo de sustentação o termo homoerotismo, cunhado por Costa (1986), por nos parecer conotar uma maior flexibilidade no entendimento das práticas sexuais, em oposição à terminologias como homossexualismo, que historicamente carregou representações de "desvio", "anormalidade", "promiscuidade" e "vulgaridade". Costa (1992) afirma que interpretar a idéia de "homossexualidade" como uma essência, uma estrutura ou denominador sexual comum a todos os homens com tendências homoeróticas é incorrer num grande erro etnocêntrico, ao nosso ver, a noção de homoerotismo tem a vantagem de tentar afastar-se tanto quanto possível à dicotomia entre os normais e os não-normais. Segundo Costa (1992), a utilização de homoerotismo nega a idéia de que existe algo como "uma substância homossexual" orgânica ou psíquica comum a todos os homens com tendências homoeróticas. As palavras homossexualidade e homossexualismo são substituídos por homoerotismo, pois referem-se à possibilidade de certos sujeitos de sentir diversos tipos de atração erótica e/ou relacionar-se com pessoas do mesmo sexo, independente de assumirem sua prática publicamente. O termo homoerotismo não possui a forma substantiva que indica identidade, como no caso do "homossexualismo" de onde derivou o substantivo "homossexual". (Costa, 1992). A utilização do termo homoerotismo ao invés de homossexualidade, nos possibilita discutir qualquer relação afetivo-sexual entre parceiros do mesmo sexo sem embutir qualquer reflexão sobre a essência homossexual ou identidade homossexual, pretende colocar-se distante de qualquer terminologia que possa classificar ou reificar esses sujeitos. Nos dias atuais é comum a difusão de uma aparente liberalidade sexual, mas se percebe ainda uma frágil tolerância social quanto às escolhas individuais. Principalmente porque a experiência demonstra não ser possível enxergar o diferente como parte da sociedade, sobretudo porque "a condição humana acontece no enigmático, no obscuro, no indizível, no mistério" (Safra, 2004, p.34). Diante da dificuldade de se encarar o outro, o mundo se divide entre os "normais" e os "anormais, desviantes e invertidos", a tendência é a exclusão e condenação à marginalidade dos que não se enquadram na ordem da norma. O discurso acadêmico e o senso comum parecem demonstrar-se abertos à discussão das normas e dos mitos estampados na sociedade contemporânea, mas ainda existem de fato, poucos espaços abertos para a realização de mudanças em relação à discussão da dicotomia vigente. Nos mostra assim a existência ilusória de estrutura para a discussão das diferenças em vários níveis. Diante dessa análise convém perguntar: como construir um território existencial, como legitimar as escolhas diante das dificuldades que o mundo contemporâneo apresenta? Assim, procurou-se discutir a trajetória de um homem que mantém relações homoeróticas, apontando as dificuldades de encontrar abrigo nas relações construídas no mundo contemporâneo. Pautado em discussões como processos homoeróticos, velhice, ética e existência o trabalho revelou a luta do humano em construir sua morada existencial frente a uma realidade porosa e árida, que ao contrário do que apregoa, expurga os diferentes. Nesta "sociedade globalizada", a formulação de conceitos para estabelecer valores universais é um dos grandes problemas que enfrentamos para tornar possível à convivência dos mais diversos grupos. Em algum momento confrontam-se com o olhar que determinado povo privilegia, não havendo um respeito à alteridade nem um olhar que possa privilegiar a diferença de valores éticos. Segundo Safra "... a possibilidade de assinalar caminhos possíveis para que o percurso, o devir humano, possa ocorrer - algo que só acontece a partir do encontro com o Outro, que presentifique as dimensões fundamentais do ser humano. Dimensões que denomino éticas". (Safra 2006, p. 29). Estamos pautados em um entendimento de ética que privilegia o encontro humano, definido por Safra (2004) como morada e pátria, portanto traduzem quanto o homem pode ou não morar existencialmente no mundo juntamente com os outros homens. A fratura dessa relação pode gerar sofrimentos de ordem ontológica, podendo marcar decisivamente a história desse indivíduo e dos outros homens que o cercam. Esse sofrimento é marcado como afirma Safra (2000) pela humilhação, pelo desenraizamento, pela invisibilidade e pela tecnologia opressora. A humilhação é decorrente de um processo de exclusão social, onde o ser humano é impedido de participar do campo social como um todo. Essa situação agrava-se quando o ser humilhado atravessa gerações e o homem perde a memória do evento que originou a humilhação, situando-se como excluído e menor que os outros homens. O desenraizamento pode ser definido como a perda de estruturas que o conectem a sua história, com isso o homem sente-se impossibilitado de pertencer, de encontrar e reconhecer outros homens, em muitas vezes não se reconhecendo a sua própria humanidade. Diante do não-pertencimento e não-reconhecimento, a invisibilidade se torna presente, pois esse homem deixa de ser visto, deixa de ter um lugar no mundo e aproxima-se cada vez mais de ser coisa. A tecnologia-opressora toma o lugar do encontro humano e se torna a mediadora das relações, funda um lugar "confortável" para os que preferem a distância do contato humano. Diante dessas situações fica mais clara que a construção da morada existencial, deve estar pautada nas relações humanas que privilegiem o encontro humano, podendo facilitar a fundamentação dos alicerces que auxiliam o homem a assumir um papel transformador da sua própria história e ser agente da construção da história do Outro. Utilizou-se como instrumento de coleta de dados a entrevista reflexiva, proposta por Szymanski (2000), na qual o sujeito entrevistado é co-autor do processo de análise e discussão dos dados. Como um dos referenciais de análise, partiu-se da concepção de que uma de nossas tarefas, como homens, é de acolher a biografia que fala do adoecimento (Safra, 2003), cruzando os dados coletados com a trajetória de Riobaldo, personagem central do romance Grande Sertão:Veredas, de Guimarães Rosa. Com isso verificamos o quanto fica difícil constituir-se como sujeito em um mundo que menospreza o desconhecido e tem posturas diante da vida que não se aplicam a todos os indivíduos. Estamos subordinados a uma cultura que não abriga a diversidade, mas expurga o que acredita ser o "desviante". Concluiu-se que o olhar atento sobre a trajetória do outro tem fundamental importância para o acolhimento e a construção existencial, significando e dando significados ao existir no mundo, edificando um habitar mais sereno e consciente dos riscos e das incertezas da sobrevivência.
 
 

   
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