Apresentação A comunicação está fundamentada no Projeto "Comunicação e Cidadania: um estudo ideológico e ético da mídia televisiva no Brasil", que realizou uma ampla investigação sobre recepção da mídia pela população, no ano de 2003. O objetivo desse projeto consistia em verificar aspectos éticos e ideológicos na televisão brasileira, tendo como informações centrais para essa leitura, as opiniões dos telespectadores. Mídia e Psicologia Social Um aspecto relevante, que deve ser lembrado de maneira incisiva e que interessa de sobremaneira à Psicologia, principalmente à Psicologia Social é a questão da mídia. Desde o início das sociedades modernas, os meios de comunicação passaram a contribuir decisivamente para a construção da subjetividade humana. Sempre em sintonia com o surgimento e consolidação das sociedades capitalistas contemporâneas, desenvolveram-se de forma espantosa: é impossível pensar o mundo contemporâneo sem levar em conta o papel da mídia. Um dos traços fundamentais deste mundo contemporâneo é exatamente o inesgotável fluxo de conteúdos simbólicos, disponibilizados pelos meios de comunicação a um número cada vez maior de pessoas e que, de certa maneira, conformam a realidade, as relações sociais e a subjetividade individual. Controlar o fluxo de informações que circula por dada sociedade significa, em grande medida, controlar a produção do "imaginário social", ou seja, atuar diretamente sobre a forma como os indivíduos representam a si mesmos, seus grupos sociais, as relações e as condições de vida a que estão submetidos. Pode se dizer, então, que a mídia constrói a realidade social, com valores, que passam a influenciar de maneira significativa as formas de interação, convivência coletiva, representação e ação dos sujeitos sociais. Mídia, Capitalismo e Assistencialismo É importante frisar que a mídia atua orientada pelos valores capitalistas, isto é, está no poder de poucos, que ditam e comandam o rumo da comunicação no Brasil. Seguindo a filosofia neoliberal, os meios de comunicação, em vez de atuarem como um serviço público, como reza a Constituição, passaram a ser propriedade privada de algumas pessoas, ou grupos, os novos latifundiários midiáticos. E assim como na história brasileira, em que uma minoria de latifundiários da terra e de capitães da indústria manteve sua posição de hegemonia e dominação através de práticas assistencialistas, hoje também, para garantir e reproduzir essa dominação, os novos latifundiários midiáticos, ao redor de dez famílias, recorrem a essa mesma estratégia, agora, contudo, sob nova forma: o assistencialismo midiático, exercido nos programas televisivos. Assistencialismo, Ideologia e Ética O assistencialismo, a mídia e os dados da pesquisa são interpretados pelo referencial ideológico-ético. Tomamos ideologia conforme Thompson (2002), que incorpora, no enfoque assumido, a dimensão ética, como componente intrínseco da teoria. O autor caracteriza ideologia como "formas simbólicas que produzem ou reproduzem relações de dominação" (THOMPSON, 2002). A ética seria uma "instância crítica e propositiva do dever ser das relações humanas, que se constitui através da ação comunicativa" (DOS ANJOS, 1996). O termo assistencialismo, segundo o enfoque ideológico-ético, é uma dessas estratégias ideológicas mais utilizadas pelas classes dominantes para, até certo ponto, justificar ou reduzir a culpa pela miséria que se propagava, com a finalidade de mistificar as verdadeiras causas da dominação e perpetuar assim o sistema de exploração. O assistencialismo foi a ferramenta através da qual as elites dominantes sempre mantiveram os subalternos oprimidos e alienados. Essa prática é uma forma de obscurecer e encobrir, por meio de um benefício, as diferenças fundamentais da sociedade, favorecendo a cristalização e legitimação das hierarquias sociais (RUSCHEINSKY, 2000). Para pessoas ingênuas, com pouca consciência crítica, o assistencialismo passa muitas vezes despercebido e até é identificado como prática positiva. Metodologia A metodologia da pesquisa combinou dois referenciais: 1) o da Hermenêutica de Profundidade, em suas três fases: a análise sócio-histórica, abrangendo a situação espaço-temporal, as interações sociais, a instituição e a estrutura social global; a análise formal e discursiva, que faz uso da análise de conteúdo temática e da análise episódica; e a fase da interpretação e re-interpretação, onde o pesquisador se coloca efetivamente diante dos dados pesquisados. 2) o referencial do enfoque tríplice, que analisa os fatos comunicacionais - no nosso caso os programas televisivos - em três aspectos: na sua produção e distribuição, onde se faz uso principalmente da análise sócio-histórica e da hermenêutica; na sua construção interna, onde se faz uso da análise formal e discursiva e a análise da recepção e apropriação da comunicação, onde se faz uso novamente da análise sócio-histórica e da hermenêutica. Ressalta-se que o foco central dessa pesquisa situa-se na análise da recepção e apropriação da comunicação. A pesquisa teve como objeto de estudo os seis programas mais assistidos dos cinco principais canais de televisão brasileira (Big Brother Brasil- Rede Globo, Eu vi na TV! -Rede TV, Domingo Legal- SBT, Domingo da Gente- Rede Record, Jogo da vida- Rede Bandeirantes e O Grande Perdedor- SBT). Utilizamos como instrumento de investigação desse estudo, grupos focais. Essa técnica se constitui em uma entrevista qualitativa em grupo, com um debate aberto sobre o tema que está sendo pesquisado. Esse tema deve ser de interesse comum entre os participantes, oportunizando a "troca de pontos de vista, idéias e experiências, (...) sem privilegiar indivíduos particulares ou posições" (BAUER; GASKELL, 2002, p. 68). Foram realizados trinta grupos focais no total, seis para cada programa. Os grupos levaram em conta as seguintes variáveis: sexo, idade, escolaridade, situação econômica e assistência aos programas investigados. Como estímulo para o debate, era apresentado um vídeo com cenas resumidas dos programas, que tinha como objetivo relembrar aos participantes o conteúdo geral desses programas e estimular a discussão. As falas dos grupos focais foram organizadas em agrupamentos temáticos e foram colocadas juntas por meio do seguinte critério: a coerência lógica e semântica de assuntos e idéias trazidas pelos grupos. Dentre o vasto repertório de respostas conseguidas através de grupos focais, selecionamos, para discussão nesse trabalho, apenas as informações que classificamos como referente a uma categoria que se revelou central e generalizada, que denominamos de assistencialismo midiático.A emergência dessa realidade fez com que nos dedicássemos a discutir mais profundamente esse achado, através de artigos, trabalhos e novos projetos de pesquisa, que contemplassem de forma mais centralizada esse conceito. Assistencialismo Midiático O conceito assistencialismo midiático, procura dar conta de que a razão principal de telespectadores opinarem que um canal, um programa, ou um apresentador são bons e merecem ser assistidos deve-se ao fato de eles ajudarem as pessoas. Na discussão e interpretação das informações, esse achado é analisado tendo-se em conta o contexto histórico brasileiro, e a influência dessa cultura e formação social na construção de uma subjetividade dependente, a partir de práticas assistencialistas presentes em todas as esferas da sociedade. Nota-se que as estratégias empregadas para se estabelecer relações assimétricas de poder transformam-se com o passar do tempo, mas suas finalidades continuam as mesmas. Por isso, essa estratégia ideológica se manifesta, hoje, com uma nova, e mais sutil configuração: um assistencialismo midiático, que continua a reproduzir relações de dominação, através dos meios de comunicação de massa. É a partir dessas informações conseguidas pela investigação, que podemos, então, sublinhar o forte cunho ideológico de nossa mídia, principalmente a que se dirige mais diretamente à população pobre, que pode assistir apenas a programas de canais de TV aberta. Os seis programas pesquisados, dos principais canais de TV aberta, eram, na época da pesquisa, os mais assistidos pela população. A audiência desses cinco canais representa ao redor de 95% de toda audiência televisiva. Esses dados, junto com as informações apresentadas acima, trazem forte evidência da importância e da abrangência das práticas ideológicas divulgadas pela mídia. Tais práticas assistenciais funcionam como um aparato extremamente eficiente de manutenção das relações sociais vigentes e, em grande parte, desiguais e injustas de nossa formação social capitalista. A universidade, através da pesquisa, não pode estar ausente da investigação, extremamente relevante, do papel da mídia na sociedade contemporânea. Cremos que tal estudo possa colaborar na construção da cidadania, pois não se pode ser cidadão/cidadã hoje, sem que se possa estar consciente do que representam os meios de comunicação para a construção, por um lado, da própria subjetividade das pessoas e, por outro lado, para a vida política de uma nação. A partir da interpretação das informações desse trabalho pretende-se, então, oferecer à população em geral elementos para uma leitura crítica da comunicação. Palavras-chave: mídia brasileira, assistencialismo midiático, ideologia. REFERÊNCIAS BAUER, Martin W; GASKELL, George. Pesquisa Qualitativa com Texto, Imagem e Som. Petrópolis: Editora Vozes, 2002. DOS, ANJOS, M.F (Org). Ética e direito: um diálogo. Aparecida: Santuário, 1996. RUSCHEINSKY, Aloísio. In: LAMPERT, Ernani (org). Educação Brasileira: Desafios e perspectivas para o século XXI. Porto Alegre: Sulina, 2000. THOMPSON, J. B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação em massa. Petrópolis: Vozes. 2002. (6ª Edição). |