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Abrapso

ANAIS DO XIV ENCONTRO NACIONAL DA ABRAPSO - RESUMO
ISSN 1981-4321

Tema: Sessões Temáticas - Mídia, Comunicação e Linguagem

PROCESSOS CONTEMPORÂNEOS DE PRODUÇÃO DE SUBJETIVIDADES NA OBRA DE GUATTARI E NA TEORIA CRÍTICA

Financiador:
CAPES ( )
Autor:
MONALISA PONTES XAVIER, LUCIANA LOBO MIRANDA
O presente trabalho constitui-se em um estudo de mestrado e encontra-se em fase de realização. Tem como proposta discorrer sobre os processos contemporâneos de produção de subjetividades a partir de um diálogo entre duas correntes teóricas: Guattari e seus postulados sobre a 'singularização' e os teóricos da Escola de Frankfurt, em especial Adorno e Horkheimer, com seus escritos sobre a 'individuação'. Metodologicamente trata-se de um trabalho conceitual, no qual partimos da revisão dos conceitos de "singularização" de Guattari e de "individuação" de Adorno e Horkheimer e posteriormente criamos um espaço dialógico entre ambos a fim de construir nossa concepção dos processos de formação das subjetividades no cenário contemporâneo. A escolha por essas correntes teóricas advém do fato de que tanto Guattari como Adorno e Horkheimer dedicam-se em suas obras a avaliar as conseqüências dos processos de massificação e serialização decorrentes do capitalismo em seu estágio atual na constituição das subjetividades contemporâneas. Em Micropolíticas (1986), Guattari anuncia o indivíduo como resultado de uma produção de massa: serializado, registrado, modelado (p.31). Também essa massificação é denunciada pelos frankfurtianos quando discorrem sobre a Indústria Cultural na Dialética do esclarecimento (1991). Embora ambos os teóricos apresentem uma visão crítica dos impactos da contemporaneidade no campo das subjetividades, Guattari e os frankfurtianos traçam caminhos distintos na realização de suas análises. Adorno e Horkheimer, enquanto sociólogos, não tematizaram diretamente a subjetividade. Encontramos elementos para realizar um estudo dos processos de subjetivação a partir de seus escritos sobre a 'individuação' e suas recorrentes denúncias sobre o mundo administrado e as conseqüências no psiquismo dos sujeitos. Para abordarmos a subjetividade a partir dos escritos desses teóricos críticos, temos necessariamente que transitar por conceitos outros, como o de indivíduo, individuação e autonomia, bem como contextualizá-los no Projeto Iluminista, que lastreia o pensamento da Escola de Frankfurt. O conceito de indivíduo adotado pelos frankfurtianos, de origem iluminista, está relacionado com a questão da emancipação dos sujeitos através do uso de uma racionalidade crítica, que seria capaz de lhes conferir autonomia frente à malha social na qual encontram-se imersos. Esse processo de desenvolvimento de uma racionalidade crítica seria, em linhas gerais, o que os frankfurtianos denominam individuação. A individuação, por sua vez, parte de uma relação intrínseca entre indivíduo e sociedade, ao passo que é nessa interação que o indivíduo se reconhece e se diferencia do aparato social, fazendo-se autônomo. A idéia de autonomia é central na individuação. Esta, segundo Crochík (1998), "deve levar em consideração o controle da natureza e as regras sociais, bem como ser a base de subjetividades singulares e, portanto, resistentes à manipulação". Em consonância com a Escola de Frankfurt, Crochík (1998) assevera que o estudo da subjetividade deve ser tomado numa dupla perspectiva: 1- a noção histórica do indivíduo e; 2- a possibilidade de realização do projeto histórico implícito no desenvolvimento de nossa sociedade - Projeto Iluminista -, na medida em que a subjetividade não é apenas função das circunstâncias sociais, mas também do referido projeto (cf. Crochík, 1998). Para o mencionado autor, o estudo da subjetividade deve buscar no indivíduo as marcas da sociedade, já que, como profere, "dizer que o indivíduo é mediado socialmente não significa que ele seja afetado externamente pela sociedade, mas sim que se constitui por ela, isto é, pela sua introjeção" (Crochík, 1998, p.73). Encontramos aqui um dos pontos importantes na leitura frankfurtiana da subjetividade, a saber: a sua dimensão sócio-histórica, na medida em que, para estes autores, o indivíduo somente se constitui pela mediação da cultura, só adquirindo significado em referência ao contexto social no qual encontra-se imerso. Também Guattari dimensiona sócio-historicamente a subjetividade quando tematiza-a situando-a não apenas no campo individual, mas também no socius, em todos os seus processos de produção social e material. Em conformidade com esse autor, a subjetividade não deve ser tomada como um espaço interior que se contrapõe a um espaço exterior. Diferentemente, ela consiste numa construção que entrelaça essas duas perspectivas, emergindo como resultado deste processo. Guattari admite ainda a existência de uma coextensividade das categorias que estão implicadas na compleição da subjetividade, corroborando com seu caráter social, embora como afirme em Caosmose (1992), não considere-a exclusivamente social, atentando para o que ele denomina "subjetividade coletiva", assim esclarecendo: "o termo coletivo deve ser entendido aqui no sentido de uma multiplicidade que se desenvolve para além do indivíduo, junto ao socius, assim como aquém da pessoa, junto a intensidades pré-verbais, derivando de uma lógica dos afetos mais do que de uma lógica de conjuntos bem circunscritos" (p.20). Enquanto os frankfurtianos enfatizam essa dimensão sócio-histórica da subjetividade, encontramos em Guattari um questionamento acerca de tal ênfase, na medida em que este autor argumenta que não há um determinante causal, um fator apriorístico que determine ou direcione a produção das subjetividades, mas um leque de fatores igualmente implicados nesse processo. Apesar da grande importância de uma abordagem sócio-histórica, não apenas ou prioritariamente sob essa ótica devemos conceber os processos de constituição subjetiva. Como afirma Guattari ainda em Caosmose (1992): "Os diferentes registros semióticos que convergem para o engendramento da subjetividade não mantém relações hierárquicas obrigatórias, fixadas definitivamente. (...). A subjetividade, de fato, é plural e polifônica." (p.11). Parece-nos, pois, que Guattari se distancia dos frankfurtianos, quando pensa as relações constituintes dos processos de subjetivação em vários níveis, que vão desde o nível sócio-econômico até o nível das relações familiares, passando pelo nível do saber, da técnica, das segregações e dos tipos de prestígio difundidos. Com isso, confere à subjetividade um caráter de multiplicidade e heterogeneidade, que advêm dos diversos fatores que a compõem onde participam desde o 'romance familiar' até a tecnologia, passando pelas questões histórico-culturais. (Miranda, 1996, p.14). Como afirma Miranda (1996), temos aqui uma "subjetividade calidoscópica, composta por diversos vetores/espelhos, produzida pelo entrecruzamento de fatores psicológicos, sociais, políticos, econômicos, ecológicos ou estéticos, onde ao invés de falarmos em individualidade, talvez fosse mais propício evocar uma singularidade" (p.7). Chegamos agora em mais um ponto de articulação do diálogo entre Guattari e os frankfurtianos: na idéia de singularização contraposta à individuação. Em alguns momentos de sua obra, Guattari nos fala em individuação subjetiva, como podemos ver, por exemplo, em outro trecho de Caosmose (1992), quando o autor afirma: "assim, em certos contextos sociais e semiológicos, a subjetividade se individua (...)" (p.20). No entanto, precisamos entender o que ele denomina individuação. A individuação para Guattari, diferentemente da compreensão frankfurtiana do termo, representa um processo que o autor situa em três níveis: o primeiro é referente ao fato de sermos seres biológicos, comprometidos com os processos de nutrição e de sobrevivência; o segundo nível é o da divisão sexual; o terceiro dos níveis diz respeito às relações sócio-econômicas. Como observamos, tal compreensão em nada se aproxima com a individuação da Escola de Frankfurt, que parte de um resgate da categoria indivíduo e uma posterior discussão acerca de sua possibilidade de efetivação. Por sua vez, Guattari propõe um questionamento radical da noção de indivíduo, bem como rejeita qualquer identificação da subjetividade a uma possível individualidade, como expressa em Micropolíticas (1986), ao afirmar que "a subjetividade não é passível de totalização ou de centralização no indivíduo" (p.31) ou ainda quando na mesma obra afirma que "é, portanto, num só movimento que nascem os indivíduos e morrem os processos de singularização"(p.38). Assim, sugere que se pense a subjetividade para além do indivíduo e dissocia completamente a singularidade da individualidade, na medida em que acredita que a singularidade pode ser vivenciada tanto por indivíduos como por grupos ou instituições. Mesmo diante dessas discordâncias explícitas em relação a postulados básicos dos autores em discussão, acreditamos profícuo um diálogo entre eles ao passo que vemos no conceito de singularização uma ambição comum com a individuação frankfurtiana. A singularização, assim como a individuação, traz como idéia central a reconquista de uma forma de expressão única e diferenciada por parte dos indivíduos, que tanto os teóricos críticos quanto Guattari denunciam estar bastante comprometida na sociedade contemporânea. A Indústria Cultural, como pensam Adorno e Horkheimer, tende a dissolver as particularidades e as possibilidades de expressões individuais, criando, em seu lugar, um mundo administrado onde reinam a massificação e padronização dos objetos e dos sujeitos. Esse processo Guattari denomina tendência homogeneizante e o aborda como um dos caminhos apontados para as subjetividades contemporâneas. Coexistindo paralelamente a essa tendência à homogeneização, Guattari nos fala de uma tendência à heterogeneidade como possibilidade outra. Enquanto os frankfurtianos denunciam de forma apocalíptica a contemporaneidade como um mundo administrado e permanecem paralisados na crítica a essa organização social, Guattari recusa o pessimismo aprisionador e prossegue rumo ao campo do possível, na medida em que considera a possibilidade de reapropriação, de autopoiese dos meios de produção de subjetividades. A nós, enquanto psicólogos, cabe-nos refletir as conseqüências desses processos nas subjetividades contemporâneas e pensar formas outras de com eles lidar, de modo a ultrapassar o estado atual de paralisia predominante e atentar para as possibilidades de reapropriação postuladas por Guattari.
 
 

   
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