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Abrapso

ANAIS DO XIV ENCONTRO NACIONAL DA ABRAPSO - RESUMO
ISSN 1981-4321

Tema: Sessões Temáticas - Histórias, Teorias e Metodologias

O HOSPITAL PSIQUIÁTRICO E A REFORMA: HISTÓRIAS EM CONTRAPONTO

Financiador:
FIP PUC MINAS ( Empresa Privada)
Autor:
PRISCILA SOUZA VICENTE PENNA, MARIA STELLA BRANDÃO GOULART
O presente resumo remete à apresentação dos dados parciais da pesquisa que está sendo desenvolvida em um hospital psiquiátrico público, acerca da história da Reforma Psiquiátrica mineira. Esta pesquisa é financiada pelo Fundo de Incentivo à pesquisa - FIP/PUC MINAS e conta com a parceria do HE IRS, Hospital de Ensino Instituto Raul Soares, Instituto Izabela Hendrix. A pesquisa às fontes, documentais e orais, revela-nos ser a história do HE IRS pontuada pela emergência de idéias reformistas desde a sua fundação, década de 20 do século passado. Focamos três décadas a partir dos anos 60, que já ensejou iniciativas e discurso crítico frente à psiquiatria tradicional. Eram ilhas de criticidade que insistiam no espaço asilar e manicomial. O hospital, no contexto destas iniciativas reformistas, respondeu com a formação de equipes interdisciplinares; o acolhimento de projetos culturais, como Projeto Guimarães Rosa; e a instituição do serviço de hospital-dia, como principais iniciativas. Nossa pesquisa resgata a memória deste processo, ocorrido nos bastidores de Reforma Psiquiátrica, contribuindo para a discussão dos processos de desinstitucionalização e consolidação da nova política de saúde mental. O resgate da história instituinte do Instituto Raul Soares - IRS, projetou-nos no resgate histórico de iniciativas instituintes: o Ambulatório Roberto Resende; a Residência em Psiquiatria; o Projeto Guimarães Rosa; e o Hospital - Dia. O Ambulatório Roberto Resende foi fundado em 1963, anexo ao Instituto Raul Soares. Mas em 1969, conquistou autonomia e inaugurou a primeira tentativa mineira de uma assistência integrada, e coloco-se como um modelo alternativo no campo da assistência psiquiátrica pública. A prática ambulatorial permitiu um incremento da assistência extramural e multidisciplinar, possibilitando enlaces entre a instituição e a comunidade. O ambulatório não segregava o paciente de seu meio familiar, ampliava o intercâmbio com a comunidade e, por último, permitia o trabalho de equipes interdisciplinares. O tratamento ambulatorial seria um contraponto à internação e à segregação do portador de sofrimento mental. Porém, em 1971, o Ambulatório Central Roberto Resende foi extinto e reincorporado à dinâmica do hospício. A relação ambulatório e hospital psiquiátrico foi questionada do ponto de vista das políticas públicas, revelando-se o "menosprezo" em relação à prática ambulatorial na estruturação da assistência psiquiátrica no Estado de Minas Gerais. O papel que o Ambulatório Central Roberto Resende exerceu na assistência psiquiátrica em Minas Gerais abriu, no entanto, importante caminho para se pensar o binômio Ambulatório/Hospital Psiquiátrico e na relevância de um projeto clínico na história da Reforma Psiquiátrica mineira. Na década de 70, o HEI RS acolhe a primeira Residência em Psiquiatria de Minas Gerais, nascida no Hospital Galba Velloso, que seria fundamental no desencadeamento do processo de Reforma em Minas Gerais. Identificamos que a primeira geração de preceptores da residência trouxe consigo um conjunto de idéias e uma postura crítica frente à situação de assistência psiquiátrica, à loucura e ao papel dos profissionais de saúde mental em relação aos seus pacientes. Ou seja, havia um esforço de reforma que fora anterior e estruturador do movimento desencadeado a partir de 1979. Alguns profissionais, psiquiatras e psicólogos, propunham reflexões e ações que discrepavam no contexto da instituição psiquiátrica. Incentivaram toda uma geração de profissionais de saúde mental a tecer a mudança que se configuraria nos anos 90. Sendo assim, a primeira geração de residentes do HE IRS já procurava por uma nova direção e apresentava um pensamento crítico, influenciados por seus professores e pelas leituras de autores da antipsiquiatria. A década de 80, em seus primeiros cinco anos, é marcada por um momento de efervescência. Ocorre um programa de humanização: "Proposta Reestruturação Psiquiátrica". A começar por uma série de Seminários Internos, realizados no Instituto Raul Soares, cuja premissa básica era a discussão da situação da assistência psiquiátrica em Minas Gerais. Era o período posterior à realização do III Congresso Mineiro de Psiquiatria (1979), uma iniciativa de professores da Residência, que teve efeitos no cenário nacional da assistência em saúde mental através das denúncias nele vocalizadas, especialmente por Franco Basaglia. Ou seja, o hospital psiquiátrico em questão, de forma contraditória, reagiu, participou e resistiu ao movimento crítico que posteriormente tomaria a forma da luta antimanicomial. Ele retrata um conjunto de experiências históricas de autocrítica e de esforço de transformação de um hospício, que apesar de tudo, persevera. No I Seminário do IRS, em abril de 1980, explicitou-se a fragilidade da "Definição do papel do IRS no Programa de Assistência Psiquiátrica Pública em Minas Gerais". O então chamado IRS não tinha uma função definida. Apresentava-se como um misto de hospital geral, hospital psiquiátrico, abrigo, asilo, sem desempenhar bem nenhuma dessas funções. O ambulatório, basicamente medicamentoso, com uma demanda excessiva, resultava em atendimentos de baixa qualidade. A partir do II Seminário, realizado em maio de 1980, foi implementado o Módulo Experimental Integrado (Portaria Superge n. 132/80) que consistia na criação de uma equipe interdisciplinar, para compor uma enfermaria com um projeto terapêutico que incluía atendimento ambulatorial e atendimentos de famílias no mesmo espaço físico. O ambulatório (que ainda se chamava "Roberto Resende") passou a funcionar como porta de entrada para os "pacientes agudos" na tentativa de diminuir as reinternações. De 1983 a 1985, foram realizados dois seminários para avaliar a "Proposta Reestruturação Psiquiátrica". Foram constatados avanços e retrocessos no que se refere à assistência psiquiátrica, mas principalmente, todo processo foi marcado por uma descontinuidade nas propostas assistenciais. Quanto à história do Projeto Guimarães Rosa - PGR as informações coletadas até o momento através de documentos normativos, história oral e textos escritos, permitem uma descrição sucinta acerca da experiência. Ela nasce do clima reformista instalado no início dos anos 80, quando ocorrem os seminários de avaliação citados há pouco. O PGR é uma dentre as iniciativas de instituição de equipes interdisciplinares de trabalho no contexto da instituição psiquiátrica. É um projeto que nasceu dentro do IRS e, de certa forma, é decorrente de um cenário marcado pela emergência de planos de reestruturação da assistência psiquiátrica. Mas podemos dizer que teve origem também a partir de outra vertente, externa, por definição: a iniciativa voluntarista de estudantes de psicologia vinculados ao curso de psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais "A Reconstituição Cultural como Prática Terapêutica Não Alienante", como foi assim denominado, explicita os objetivos desta curiosa iniciativa. Através do trabalho integrado de equipe e dos estudantes, o objetivo primordial se resumia na reintegração do doente mental em sua cultura e comunidade de origem do sujeito. A experiência com a quarta enfermaria a partir de atividades de arte-terapia é o início desta iniciativa, depois se estende para a formação de grupos sociais. Dentre as atividades desenvolvidas neste projeto identificamos vários projetos: alfabetização de adultos (MOBRAL), o Projeto Porteirinha (intervenção junto ao município de mesmo nome), a Rocinha (espaço nos fundos do hospital, composto por hortas, cozinha, galinheiro e oratório). As atividades tinham o objetivo de proporcionar uma prática terapêutica associada à realidade rural, característica da maioria dos pacientes. Foi um trabalho que chegou a envolver 300 internos, no esforço de uma "prática terapêutica não-alienante", conforme referência nos relatórios da equipe, que teria diminuído o índice de reinternação no período, segundo seus participantes. Esta experiência se realizou superando muitos obstáculos: a falta de recursos básicos e as dificuldades de manutenção da equipe - envolvendo trabalho não-remunerado. Assim, ensejou uma aproximação entre a comunidade circunvizinha, a comunidade universitária e o hospital psiquiátrico. Mas, em meados dos anos 80, o projeto sucumbiu frente do desinteresse institucional que insistiu em mantê-lo em cenário de informalidade. Até o final dos anos 80, o movimento da Reforma Psiquiátrica em Minas Gerais mantém concepções basicamente reformistas, aliadas a idéia que a humanização dos hospitais psiquiátricos e a ampliação do tratamento ambulatorial seriam suficientes para garantir a melhoria da qualidade da assistência nos hospitais públicos. Contudo, chega-se ao final da década com o movimento da Reforma Psiquiátrica afirmando a necessidade do desmonte da lógica manicomial expresso através do lema: "Por uma sociedade sem manicômios". Importa observar que o binômio Ambulatório/ Hospital como alternativa ao modelo hospitalocêntrico precisava ser superado uma vez que não alteravam o ciclo internação-alta-(re)internação. Neste contexto é que surge a proposta do Hospital-Dia. A pesquisa no que diz respeito a esta experiência encontra-se ainda em desenvolvimento. o que se pode adiantar é de que tratou de mais um esforço de reinvenção deste hospital que acaba sendo fadado à lógica da descontinuidade, mas que enseja o delineamento de um projeto clínico (psicanalítico) que será característico da Reforma mineira. Ao caminharmos para a conclusão da pesquisa, podemos antecipar que o estudo que realizamos é indicativo da complexidade dos processos de desinstitucionalização. Os resultados permitem concluir que se aplica a tese Basagliana: o hospital não consegue se reinventar ou se reformar, no que concerne ao seu projeto clínico, de integração e de reabilitação. Ao mesmo tempo, a participação desta instituição no cenário da assistência psiquiátrica mineira é seminal para a emergência dos projetos voltados para reformulação da assistência psiquiátrica, não somente em Minas Gerais, mas também no panorama nacional.
 
 

   
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