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Abrapso

ANAIS DO XIV ENCONTRO NACIONAL DA ABRAPSO - RESUMO
ISSN 1981-4321

Tema: Sessões Temáticas - Histórias, Teorias e Metodologias

A HISTÓRIA DE UMA CRISE: CONFRONTOS NO CAMPO DA PSICOLOGIA SOCIAL

Autor:
RENATO SAMPAIO LIMA
A HISTÓRIA DE UMA CRISE: CONFRONTOS NO CAMPO DA PSICOLOGIA SOCIAL No início dos anos 70 acumulávamos uma década de reconhecimento do curso de psicologia em nosso país, no entanto, a psicologia já se deparava com questionamentos a respeito da sua cientificidade, do seu direito à existência e do seu pertencimento ao campo das ciências naturais ou ao campo das ciências humanas. Estávamos diante do que alguns autores denominaram de "crise" da psicologia. Consideraremos como crise o momento de reflexão que a psicologia começou a viver nos fins dos anos 60 e início dos anos 70. Parecia que a necessidade de uma interrupção se fazia presente, ou seja, o questionamento sobre "onde estamos e para onde devemos ir" passou a mobilizar a psicologia como um todo. A partir do exame do conceito de crise utilizado por Kuhn, em seu livro The structure of scientific revolutions publicado em 1962, nos depararemos com a idéia de que a crise aponta para substituição de um paradigma por outro; no entanto, esta passagem não significa a resolução automática dos problemas do paradigma anterior. Diferentemente disto, teríamos novas maneiras de pensar os problemas e novos questionamentos a serem considerados. Partindo de Kuhn, devemos entender o conceito de paradigma como um consenso, uma maneira aceita de soluções de problemas por meio de exemplos ou modelos para os praticantes da ciência e também como um conjunto de valores compartilhados pelos membros de uma determinada comunidade científica. Não podemos pensar no empreendimento científico do pesquisador sem subordiná-lo à noção de paradigma, pois fazer ciência nos leva necessariamente a um trabalho social e institucionalizado. A psicologia, ao longo de sua história, apresenta uma variedade de objetos e métodos: os diversos projetos teóricos e metodológicos como o behaviorismo, a gestalt e a psicanálise marcariam a sua constituição diversa. A ausência de um consenso na psicologia nos aponta, portanto, uma dificuldade no uso do conceito de paradigma para pensarmos o saber psicológico. A crise da psicologia, mencionada anteriormente, não pode ser discutida a partir das posições teóricas de Kuhn, pois a crise para este teórico prenuncia o surgimento de um novo paradigma, ou melhor, de uma unidade e concordância entre os pesquisadores de um determinado campo de conhecimento. Nosso objetivo será apresentar a crise no campo da psicologia social, dando ênfase inicialmente ao seu aparecimento enquanto um conhecimento tipicamente norte-americano e, em seguida, apontar para as críticas realizadas a esta psicologia social no Brasil, e, mais especificamente, no Rio de Janeiro. Após a segunda guerra mundial a psicologia social obteve um grande impulso nos Estados Unidos e segundo um dos mais importantes historiadores da psicologia social naquele país, ou seja, Allport: a psicologia social seria um fenômeno tipicamente norte-americano. A migração dos psicólogos da gestalt, da Áustria e da Alemanha para os Estados Unidos em função dos nazistas, foi uma das fontes de inspiração para a psicologia social norte-americana e uma das causas responsáveis pela sua individualização. As raízes deste campo conceitual devem ser buscadas na fenomenologia; filosofia claramente distinta do positivismo que vai inspirar nos Estados Unidos uma psicologia, no período entre as duas guerras mundiais. Os psicólogos da gestalt não tinham se defrontado com o behaviorismo até que chegassem a este país e foi desse conflito entre duas filosofias rivais (fenomenologia e positivismo), que a psicologia social surgiu nos Estados Unidos, na forma característica que se deu. A crise na psicologia social moderna teve início na década de 60. Várias críticas vão ser apresentadas a proposta de se acumular dados de pesquisa para em seguida se chegar à formulação de teorias globalizadoras. Estes questionamentos irão caracterizar "a crise da psicologia social moderna". Vários outros questionamentos serão apresentados à psicologia social norte-americana, no entanto, é na Europa que estas críticas são mais incisivas e contundentes. A denúncia do seu caráter ideológico e mantenedor da ordem social estabelecida passa a ser objeto de reflexão para os psicólogos sociais em geral. Na América Latina, a psicologia social reproduzia os conhecimentos desenvolvidos nos Estados Unidos e na Europa. A busca de "leis universais" que regem o comportamento dos indivíduos impedia que se pensasse em teorias que atendessem as questões dos países latino-americanos, que apresentavam sociedades e culturas diferentes da norte-americana e européia. Uma outra importante crítica as formulações positivistas no campo da psicologia social foi a constatação de que não há neutralidade na formulação de nossos conhecimentos; somos parte do fenômeno analisado e ele é parte de nós mesmos. Se no século XIX a psicologia na Alemanha foi um centro para onde viajavam vários pesquisadores em psicologia das mais diferentes partes do mundo. No século XX, é a psicologia norte-americana que se torna irradiadora de influência e domínio. No entanto, a tranqüilidade com a hegemonia foi seguida, nas décadas de 60 e 70, no Brasil e na América Latina pelos questionamentos e pelo que temos denominado crise. A crise da psicologia social é objeto de denúncia no Congresso de Psicologia Interamericana, realizado no ano de 1976 em Miami, com a participação de psicólogos sociais de vários países da América Latina. No Congresso posterior, que ocorreu em Lima, Peru, no ano de 1979, algumas diferenças expressivas puderam ser observadas, ou seja, as críticas à psicologia social norte-americana eram mais precisas e visavam uma redefinição da psicologia social. Durante este Congresso foi discutida a criação da Associação Latino-Americana de Psicologia social (ALAPSO), que tinha por objetivo promover o intercâmbio entre os psicólogos sociais latino-americanos. E que teve como primeiro presidente o professor Aroldo Rodrigues. Embora a crise da psicologia social no Brasil tenha o significado de busca de novas teorias que fundamentassem a ação social do psicólogo em nosso meio, não podemos deixar de considerar a continuidade da influência exercida pela psicologia social norte-americana. Aroldo Rodrigues é certamente um dos mais importantes divulgadores desta psicologia social. Professor do Programa de Pós-Graduação da PUC-RJ constituiu-se em uma referência para a psicologia social no Rio de Janeiro, embora, posteriormente, tenha sido alvo de críticas por parte dos psicólogos sociais cariocas e brasileiros. Suas obras "Psicologia Social" de 1972 e "Estudos em Psicologia Social" de 1979 são, nos dias atuais, estudadas em muitos cursos de psicologia social no país. A contraposição de Rodrigues a uma psicologia social que começa a tomar corpo nas décadas de 60 e 70 no Brasil e na América Latina fica evidente com o episódio ABRAPSO. Após ser convidado, em 1979, para participar da reunião que proporia a fundação da Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO), não apenas se negou a discutir a proposta, mas discordou do projeto que orientaria esta mesma associação. Durante o XV Congresso Interamericano de Psicologia, realizado em dezembro de 1974, em Bogotá, Colômbia, Rodrigues proferiu uma conferência com o título "A Psicologia Social: problemas atuais e perspectivas para o futuro". Entre as questões analisadas destaca-se a crise vivida pela psicologia em geral e pela psicologia social, em particular. No Brasil, nesse mesmo período histórico, Silvia Lane já apontava para a necessidade de se buscar caminhos próprios para a psicologia social em nosso país, que atendessem a nossa realidade cultural, social e política. Um dos sinais da crise da psicologia social a partir dos anos 60 foi a busca, por um lado, do atendimento da necessidade de intervenção social para a melhoria das condições de vida das sociedades, e por outro, a tendência de contrariedade ao rigor da metodologia experimental de laboratório. Este dilema colocava, de um lado, a psicologia social norte-americana que tinha a preocupação de reproduzir o modo de fazer ciência das ciências naturais, mas que a partir do final da década de 60, também buscava responder as necessidades de relevância em suas pesquisas; e em uma posição distinta, uma outra maneira de pensar a psicologia social, que se configurava a partir de críticas ao modelo positivista de ciência e que passou a sustentar como uma de suas preocupações a busca da relevância social. Se por um lado, ambas as teorias buscavam responder à questão da relevância, por outro, a resposta apresentada por estas abordagens é bastante diferente. A psicologia social norte-americana via essa questão a partir do uso dos conhecimentos da psicologia para a solução de problemas sociais, o que se denominou de tecnologia social. Em São Paulo Silvia Lane defendeu uma posição diferente da sustentada por Aroldo Rodrigues. O debate entre essas propostas foi registrado na revista "Ciência e Profissão" do ano de 1986, com o título: "A tecnologia social na psicologia: Controvérsias". Se para Rodrigues a psicologia social é uma ciência básica que permitiria a solução de problemas sociais para Lane tal concepção poderia transformar o psicólogo em agente de adaptação. Buscamos, ao longo deste texto, trazer algumas questões e estabelecer alguns confrontos que nos permitam refletir sobre a história mais recente da psicologia social no Brasil e no Rio de Janeiro.
 
 

   
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