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Abrapso

ANAIS DO XIV ENCONTRO NACIONAL DA ABRAPSO - RESUMO
ISSN 1981-4321

Tema: Sessões Temáticas - Outros

SINUOSIDADES NO OLHAR DO TURISTA: PSICOLOGIA SOCIAL DA ARTE E RECEPÇÃO DO BARROCO

Financiador:
IPUSP ( Instituição pública)
Autor:
ARLEY ANDRIOLO
Desde o início, uma pergunta guiou a pesquisa cujo resultado será aqui resumidamente apresentado: o que a psicologia social da arte poderia dizer acerca do olhar de viajantes e turistas frente às obras arquitetônicas e artísticas designadas "barrocas"? Não será possível neste trabalho apresentar o complexo conjunto teórico que formulou as categorias centrais da apreciação estética sobre objetos artísticos remanescentes dos séculos XVI ao XVIII, não obstante, busca-se descrever como elas se inscreveram no campo da percepção contemporânea, particularmente no interior do chamado "olhar do turista". Parte-se do exemplo de uma pesquisa realizada pelo autor, na qual os dados coletados evidenciam a formação histórica e social da percepção do "barroco mineiro", categoria cuja difusão no Brasil data da primeira metade do século XX. Desde então, as obras arquitetônicas e artísticas do Setecentos da área de mineração passaram a ser recebidas segundo modelos específicos de percepção, orientados pelo campo artístico e compartilhados por outros campos sociais, dentre os quais interessa assinalar o do turismo que promove e divulga objetos seletos, em termos como "nacional" e "original" associados à visibilidade do "barroco". Para tanto, elaborou-se uma análise que considera a historicidade dos processos perceptivos e em conformidade com o método micro-analítico. Nesse sentido, é preciso considerar que alguns instrumentos mentais e a experiência visual humana são variáveis em relação à cultura e à sociedade. Essa questão tem sido bastante discutida. Por exemplo, amparado pela noção de estilo cognitivo da psicologia de Witkin (1967) e da antropologia de Segall, Campbell e Herskovits (1966), o historiador Michael Baxandall (1972/1991, p. 48) já afirmava que "existem as categorias por meio das quais o homem classifica seus estímulos visuais, o conhecimento que atingirá para integrar o resultado de sua percepção imediata, e a atitude que assumirá diante do tipo de objeto artificial que a ele se apresenta". Isso quer dizer que, embora o olho seja uma parte biológica do corpo humano, o seu uso é social e culturalmente determinado, portanto, mutável ao longo do tempo. Atualmente, muitos estudiosos da arte estão convencidos da seguinte afirmação: a obra de arte é produzida pelo menos duas vezes; uma pelo próprio artista, outra pelo receptor, ou receptores, dependendo da sua durabilidade e das várias pessoas que no decorrer da história dela se aproximam. Assim, a frase de Pierre Bourdieu (1968) "o olho é histórico", não diz respeito tão-somente à determinação de uma época sobre a percepção, mas também aos processos sociais que a cada época envolvem os objetos. No dizer do sociólogo, aquele que detém os códigos de deciframento da obra de arte esquece-se de que seu olhar foi produzido por sua classe e seu grupo social. Diante da pergunta acerca das categorias que mobilizamos para perceber a arte setecentista da América portuguesa, não se poderá deixar de considerar o campo do turismo como um dos principais meios de educação do olhar, particularmente dos não especialistas, substituindo muitas vezes a própria educação escolar na formação de nosso repertório sobre a arte. Entendamos o turismo, não apenas pelo fato restrito de realização de uma viagem, mas como um conjunto de fatores que vão desde a idéia da viagem, o desejo de estar em outro lugar, até a visita a atrativos nos mais variados locais, passando por um intrincado sistema de promoção e comercialização de pacotes turísticos. O "olhar do turista", tal como referido por John Urry (1999), constitui-se na pessoa muito antes dela dispor-se a comprar um pacote ou dirigir seu carro para certa localidade. Ao contrário, desde crianças, na escola ou em casa, recebemos imagens de vários lugares, tais como a África, o Oriente, a Europa - todos associados a adjetivos que formam em nós a idéia e o desejo de aproximarmo-nos, ou não, daqueles locais. Se a África é "selvagem", o Oriente é "exótico", a Europa é "o berço da civilização Ocidental", em expressões cotidianas, isso se deve àquela produção psicossocial e histórica da percepção. Nesse processo, pode-se notar que se forma em nós o gosto de olhar e viajar. A experiência da percepção é, neste estudo, considerada como uma experiência social a ser conjugada na primeira pessoa do plural. Respeitando as diferenças individuais, o "nós" que interessa aqui afirma a existência de certas categorias perceptivas que são comuns aos membros de uma dada coletividade, as quais demonstram algo que se constituiu socialmente em nós. Por exemplo, aprendemos a gostar das águas do mar, pois o prazer associado à ida até uma praia para lazer, algo tão comum "em nós", não o era há duzentos anos atrás quando as pessoas jamais conceberiam ir à praia para tomar sol ou banhar-se. Esse hábito teve no século XIX o momento de sua invenção, tornando-se, a partir daí, um gosto compartilhado. Pelo mesmo processo, formou-se em nós o interesse pela história e pela arte. Quem não admira as obras de Miguel Ângelo ou de Leonardo da Vinci? A Itália, com suas igrejas, chafarizes, grandiosas construções e museus de arte, é um destino marcante nos roteiros turísticos, reconhecido como o lugar onde as artes floresceram. Mantendo as devidas proporções, vemos nas cidades de Minas Gerais originárias do século XVIII, com igrejas monumentais pontuando o topo dos morros, um destino certo para entrarmos em contato com a "nossa" arte, "símbolos de nossa história". O gosto existente hoje pela arte no território brasileiro também é histórico e, há pouco tempo atrás, não era compartilhado entre os brasileiros. Evidentemente, não são todos os brasileiros que participam desse interesse, pois, esse chamado da percepção para as artes envolve instâncias de consagração freqüentadas por grupos sociais seletos. Mais ainda, o olhar do turista forma-se basicamente num jogo de oposições entre a sua condição habitual e o seu contrário, como demonstrou Urry (1999). Durante parte do século XX, o habitual era o tempo do trabalho, com o qual se adquiria a renda necessária à prática do turismo, a desejada oposição, ainda que efêmera. Assim formulado, aquilo que o turismo contém está delimitado pelo que os olhos habitualmente não vêem. Daí a importância daquelas categorias de "África selvagem" e "Oriente exótico", só para ficar nos exemplos mais característicos. São objetos do olhar de um sujeito que as reconhece como tais em relação a sua experiência cotidiana. Na década de 1960, identifica-se a agência Eves Turismo incluindo referência às artes numa propaganda de viagem cujo mote inicial era o civismo. A propaganda inicia-se com a frase "Viagem às origens da História do Brasil", localizando em Minas Gerais, não apenas parte da história do país, mas a sua origem. Era um "Magnífico roteiro de 7 dias a Minas Gerais e suas cidades históricas" (O Estado de São Paulo, 12 jun. 1960, p.6). Neste caso, nota-se a presença de Antônio Francisco Lisboa, ao referir-se a Ouro Preto como lugar de "copiosas obras de arte do genial Aleijadinho". Reside aqui um item novo em relação às propagandas turísticas precedentes, as quais se baseavam principalmente na figura de Tiradentes como motivador para os viajantes. A citada propaganda não abandona esse atrativo: "Esta é uma excursão que todo brasileiro deve fazer, para vibrar de perto com o espírito de nacionalidade. Não há momento de emoção maior, entre outras, do que a visita ao Panteon dos Inconfidentes, no Museu da Inconfidência de Ouro Preto!". Nessas propagandas turísticas e noutros discursos de meados do século XX, as conexões entre nacionalidade e artes visuais no campo das viagens tornam-se possíveis por meio da categoria "barroco" que vincula a percepção das sinuosidades das obras de arte setecentistas à gênese da nação brasileira. Isso acontece no final dos anos 60, muitas vezes apontando a cidade de Ouro Preto como destino maior daqueles roteiros turísticos. A título de exemplo, no ano de 1972, a revista Quatro Rodas, especializada em turismo, escrevia: "A cidade de Ouro Preto é quase um museu barroco. Por isso conheça primeiro a própria cidade, seus casarões coloniais, suas ruas assombradas por fantasmas criados pela imaginação do povo. Depois vá ao Museu da Inconfidência (pça. Tiradentes), que exibe principalmente objetos ligados a Tiradentes e outros dos conspiradores. Os trabalhos do Aleijadinho estão nas igrejas, mas, por motivo de segurança, são poucas as que podem ser visitadas." (Quatro Rodas, São Paulo, 1972, p.82).
 
 

   
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