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ANAIS DO XIV ENCONTRO NACIONAL DA ABRAPSO - RESUMO
ISSN 1981-4321

Tema: Sessões Temáticas - Histórias, Teorias e Metodologias

PARADIGMA NARRATIVO EM PSICOLOGIA SOCIAL

Autor:
RAFAEL BRITTO DE SOUZA - UFC IDILVA MARIA PIRES GERMANO - UFC
Este trabalho investiga a pertinência e a fecundidade prático-conceitual da psicologia narrativa como paradigma para a investigação de fenômenos psicossociais. Partimos da hipótese de trabalho segundo a qual o paradigma narrativo, alinhado que está com os mais recentes avanços da filosofia analítica da linguagem, oferece um aparato conceitual ao mesmo tempo epistemologicamente sólido e conceitualmente maleável, que lhe permite abordar as questões mais caras da psicologia social a partir de uma perspectiva fecunda e consistente. Defendemos aqui a importância de operar em Psicologia Social aquilo que em outras disciplinas, como a antropologia, a filosofia e a lingüística, ficou conhecido como a reviravolta lingüística (linguistic turn), ou mais especificamente, a reviravolta lingüístico-pragmática do conhecimento. Acreditamos, ainda, poder mostrar que a adoção do Paradigma Narrativo pode levar as pesquisas do domínio da Psicologia Social a partilhar dos benefícios teórico-metodológicos obtidos por todas as disciplinas que realizaram a reviravolta lingüístico-pragmática do conhecimento. Para fundamentar nossa hipótese de trabalho e justificar essa tomada de posição teórica, nossa argumentação estará ancorada em três momentos e objetivos interligados: 1) Explicitar a definição conceitual do Paradigma Narrativo em Psicologia; 2) Apresentar a vantagem de se adotar a reviravolta lingüístico-pragmática e a viabilidade desta adoção no que se refere à disciplina da Psicologia Social (discutindo sobre a "teimosa posição antifilosófica" que Jerome Bruner, em seu Atos de significação, 1990, observa na história da Psicologia). 3) Mostrar como a adoção do paradigma Narrativo aplicado aos estudos da identidade, do self e outros que são caros à Psicologia Social, representa possibilidades conceptuais e analíticas mais agudas para o avanço das psicologias culturalmente orientadas, bem como estímulo para a criação e refinamento de metodologias de pesquisa alternativas. O paradigma narrativo em Psicologia surge como uma reação aos rumos tomados pela revolução cognitiva. Segundo Bruner, o impulso inicial da revolução cognitiva era trazer o conceito de mente de volta para a psicologia depois do longo 'inverno do positivismo'. Porém, muito cedo, o ímpeto inicial de investigar os significados dos atos psicológicos e os processos de construção de significação passou a ser substituído, no interior desta escola, por um interesse cada vez mais fragmentado e tecnicizado nos processos de processamento de informações. Como é sabido, a informação é completamente indiferente ao significado. Assim, tão logo a revolução cognitiva foi bem sucedida em trazer de volta o conceito de mente para o campo dos estudos psicológicos, ela parece ter traído seu impulso original. Bruner explica como essa revolução tomou rumos indesejados: "Muito cedo, por exemplo, a ênfase começou a mudar do 'significado' para a 'informação', da construção do significado para o processamento de informações. Estas questões são profundamente diferentes. O fator chave foi a introdução da computação como metáfora reinante e da informatização como critério necessário para um bom modelo teórico". (Bruner, p.17, 1990) Deste modo, o objetivo da psicologia narrativa é trazer de volta o conceito de significado para o centro das atenções dos pesquisadores de psicologia. Sendo que, para fazer isso, é preciso mudar as metáforas de base e elaborar um construto teórico diferente. É com esse intuito que Bruner e outros teóricos consideram a narrativa como o ponto de partida mais adequado e promissor para acessar o significado no âmbito da psicologia. O paradigma narrativo, assim como a moderna filosofia da linguagem, chama atenção para o fato de que o significado da linguagem humana não deve ser buscado na sua referência, mas sim nas próprias formas de organização dos discursos. Dentre estas formas, a mais importante para os problemas abordados pela psicologia, em especial o problema da identidade, é a forma narrativa. Para Bruner, novas preocupações, de matiz "transacional", passam a emergir acerca da natureza do si-mesmo: "Não é o si-mesmo um relacionamento transacional entre um locutor e um Outro, de fato, um Outro generalizado? Não é ele um meio de estruturar a nossa consciência, nossa posição, nossa identidade, nosso comprometimento uns com os outros? O si-mesmo, nesta acepção, se torna "dependente de um diálogo", projetado tanto para o receptor do nosso discurso como para propósitos intrapsíquicos." (idem: 90) A psicologia narrativa parte da premissa segundo a qual, entre todas as formas de discurso, é sobretudo através da narrativa que compreendemos a maior parte dos textos e contextos em que as pessoas estão mergulhadas. Segundo Brockmeier e Harre (2006), a forma de estória, tanto oral quanto escrita, parece constituir um parâmetro lingüístico, psicológico, cultural e filosófico fundamental para nossa tentativa de explicar a natureza e as condições de nossa existência. Os autores lembram ainda que pelo menos duas características estão sempre presentes no discurso narrativo e o diferenciam minimamente de outras formas de manejo da linguagem. São elas: a existência de personagens e a presença de um enredo que se desenvolva ao longo do tempo. Estas características nos permitem discernir minimamente a narrativa de outras formas de discurso. Assim esboçada uma definição do Paradigma Narrativo em Psicologia, podemos passar a uma análise conjunta do segundo e terceiro momento de nosso trabalho. Quando propomos investigar o conceito de identidade e acrescentamos o predicado limitador 'narrativa', operamos ao mesmo tempo uma limitação do conceito de identidade em estudo, assim como limitamos o conceito de linguagem que adotamos. Uma breve exposição da maneira tradicional de conceber a linguagem e o significado permite esclarecer, por contraste, algumas vantagens advindas da escolha do paradigma narrativo. Até o início do século XX, uma forma de conceber o significado dominou o pensamento ocidental. Em linhas gerais esta maneira de conceber o significado pode ser reduzida a duas de suas características principais. Por um lado o significado é sempre atrelado à sua referência e por outro lado o significado, para instaurar-se, depende da presença de imagens mentais que lhe autorizem. Esta forma de conceber o significado apresenta reverberações no campo da investigação psicológica. São elas, o essencialismo e o método introspectivo ou experimental de investigação dos fenômenos psíquicos superiores. O essencialismo em psicologia é especular à noção de que o significado é dependente de sua referência. A concepção tradicional de linguagem acredita que o significado das palavras depende de sua correspondência a algo que elas descrevem no mundo. Se uma palavra nada descreve, ela nada significa. Sendo a contrapartida igualmente verdadeira, ou seja, se uma palavra significa alguma coisa, isto quer dizer que existe alguma realidade objetiva que ela deve estar descrevendo. O raciocínio do essencialismo, apesar de errôneo, é bastante simples. Já que falamos significativamente em primeira pessoa e dizemos frases significativas como "eu sou isso', 'eu sou assim' etc., isto quer dizer que existe dentro de nós uma espécie de "núcleo duro" ao qual tais frases remetem. Alguma essência que estamos descrevendo quando falamos de nós mesmos. Esse essencialismo pressupõe que nosso 'eu' é uma realidade objetiva, independente da linguagem. A linguagem apenas descreve esta realidade As dificuldades de acessar este 'eu' mediante métodos tradicionais levaram os psicólogos a procurar outros meios mais refinados, baseados no desenvolvimento de modelos teóricos alternativos pelo conjunto das ciências humanas. Os avanços da moderna lógica e semântica lançaram luz sobre o problema da produção de sentido, ao propor que o significado não se instaura mediante sua relação designativa com uma referência. O que confere significado à palavra 'jogo' por exemplo, não é uma essência comum a todas as formas de jogos, o mesmo se dando com o significado das palavras 'amor', 'desejo' etc. (Wittgenstein, 1984) O motivo é simples, não há nada que possa ser considerado comum a todas as formas como usamos esses termos, que nos autorize a eleger como sua essência. É inútil procurar o significado do que quer que seja na sua relação com a essência daquilo que ele pretensamente descrever. Esta constatação abriu um novo caminho para a investigação lógico-semântica. O significado não deve ser buscado exclusivamente na sintática ou semântica das palavras, mas deve levar em conta a sua pragmática. O significado só se faz evidente no contexto de seu uso prático dentro de um jogo de linguagem (idem, ibidem). Se quisermos saber o que significa 'eu', 'amor', 'desejo' etc. temos que investigar o uso que se faz destas palavras em jogos de linguagem específicos. É por se vincular a esta corrente lógico-semântica que nossa escolha do paradigma narrativo em psicologia se justifica no interior de nosso trabalho. Por se vincular a uma teoria do significado não essencialista, acreditamos que este paradigma narrativo mostra-se promissor para abordar a questão da identidade, evitando a falácia ontológica (essencialista) e as dicotomias tradicionais da psicologia.
 
 

   
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