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Abrapso

ANAIS DO XIV ENCONTRO NACIONAL DA ABRAPSO - RESUMO
ISSN 1981-4321

Tema: Sessões Temáticas - Histórias, Teorias e Metodologias

O FETICHE PELA NORMALISTA CARIOCA NO IMAGINÁRIO (SOCIAL) SEXUAL MASCULINO

Autor:
SANDRA MARA SILVA DE LIMA
Este trabalho - parte do projeto de doutorado apresentado ao PPGPS/UERJ - pretende investigar a construção erótica da imagem das normalistas nas décadas de 1950 e 1960 principalmente as imagens existentes nas peças teatrais de Nelson Rodrigues. Acreditamos que a obra de Nelson Rodrigues associada ao livro Lolita, de Nabokov, contribuíram para a disseminação de um estigma e um fetiche pelas jovens estudantes no imaginário social (e sexual) masculino daquela época. Dentre os textos que compõe as "tragédias cariocas", interessam em particular as peças Perdoa-me por me traíres, Os sete gatinhos, Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas ordinária por delinearem personagens femininas que trazem a tona o arquétipo da virgindade e suas implicações e tem a figura da ninfeta, vestida de normalista, como signo ambíguo: de ingenuidade e malícia. Nas personagens de Nelson Rodrigues a "ambivalência" do estigma da normalista (pura/impura, santa/puta, inocente/perversa) se apresenta como herança de um imaginário constituído pelas identidades sociais e pessoais das professorandas "reais" ou ainda pela forma como eram percebidas. Na análise das peças de teatro, procuraremos investigar como construções simbólicas, as convergências das perspectivas sociais, definiram as professorandas e professoras primárias - num dado momento histórico - como profissionais "assexuadas", destituídas de sensualidade, ou detentoras de um alto valor moral, expondo a fragilidade da realização de normas estreitas. Trataremos de personagens literários - tanto no teatro, como na crônica e no conto, portanto considerando-as aprisionadas pelo texto. Na definição do verbete "personagem", feita por Patrice Pavis (2005) se percebe a complexidade no tratamento deste objeto de estudo. Consideramos então algumas observações feitas por Pavis, como premissas para a compreensão dos registros documentais que fundamentarão a pesquisa. Dentre eles, a distinção entre personagem e pessoa (persona). A análise das fontes documentais será orientada pela teoria do imaginário de Gilbert Durand, utilizando o "método arquetipológico" de mitocrítica e mitánalise. Os objetivos da tese são: analisar o tabu da sexualização/ dessexualização docente através de discursos se entrelaçam na cultura material, em gêneros distintos da literatura (teatro, crônica), como os veios de uma mesma bacia semântica; compreender historicamente as origens da erotização da normalista através de investigação sobre o imaginário social (sexual) masculino. Ou seja, pela "tradução" deste grupo através literatura da época; Analisar os discursos produzidos por diferentes gêneros literários como fundamentais para uma "mitologia" acerca da figura da normalista. Enfatizado o ano de 1957 para o que denominaremos "lolitismo brasileiro" tendo como recorte peças de Nelson Rodrigues em relação à obra estrangeira de Nabokov. Muito mais do que personagens ficcionais "rodrigueanas" ou clichês eróticos na literatura e na iconografia da época, as normalistas reinventadas neste imaginário masculino (não se deve esquecer que o traço que as imprimiu foi produzido por homens) são "fabulosas", "lendárias". Creio que seja através da fábula que a imagem erotizada se desvenda - e torna-se chave para a compreensão daquilo que Michel Foucault chamaria de jogos de verdade , jogos que determinaram alguns estereótipos femininos na década de 1950. Em graus diferenciados de difusão, essa veiculação da imagem erótica da normalista posteriormente diluída à colegial (de qualquer curso) que se confronta com o projeto político de salvaguardar a "ordem" social dentro de padrões morais rigorosos está assim distribuída em diferentes setores da sociedade. A delimitação histórica conferida a este estudo permite observar a apreensão do fenômeno da erotização docente através da propagação de textos e imagens pela indústria cultural - articulando-a com questões da pós-modernidade.O magistério como profissão feminina, por meio dos cursos normais oferecidos pelos Institutos de Educação (que existiam não só no Rio de Janeiro, mas em Minas e em São Paulo) e pelas tradicionais escolas confessionais de moças, como o Colégio Imaculada Conceição, em Botafogo, no Rio, que era destinado às mulheres nascidas nas classes média e alta. Nas camadas populares, o número de mulheres operárias, trabalhando em fábricas ou em outras atividades, que não representavam, apenas, a vida doméstica, também não pode ser desprezada. Visíveis na esfera pública através do trabalho, as mulheres dos decênios de 1940/1950 tornaram-se alvo certeiro da indústria cultural e extremamente participantes dentro da sociedade de consumo. Essas novas mulheres "públicas" foram fontes de inspiração para a construção erótica das "divas da vida moderna" ao mesmo tempo em que também se deixaram inspirar pelos comportamentos, músicas e modas ditadas por esta mesma indústria em expansão. Desde o governo de Getúlio Vargas ao de JK, projetos de "modernização" do Estado Nacional Brasileiro começaram a se delinear na política interna e externa do País. Foram acrescentados então alianças e investimentos com capital estrangeiro e entrada massiva de produtos (bens de consumo materiais e culturais) em larga escala. O uniforme escolar deve ser considerado como fator importante, também, na redução do fetiche em imagem. Por causa dele e pela atitude "atrevida" das ninfetas dessa literatura, nota-se um quase "ninfetismo" do período. Na crônica e na poesia, a figura do "brotinho" é celebrada por Vinícius de Moraes, Paulo Mendes de Campos, Carlos Drummond de Andrade etc. Pensar o problema da sexualização/dessexualização da figura docente - neste estudo, especificamente, a normalista (professora ainda em formação) - significa refletir sobre as condições históricas, sociais e culturais de apropriação da profissão do magistério feminino para além da sua dimensão pedagógica, possibilitando compreender o imaginário social que se produziu acerca da mesma. A escolha do tema partiu de preocupações e de problemas vivenciados no meio acadêmico, principalmente no cotidiano da prática docente, onde, na função formadora de futuros profissionais voltados para a licenciatura em história percebia que, dentre as muitas identificações construídas sobre a figura docente, têm sido recorrentes (fonte de freqüentes questionamentos) aquelas que ressaltam a dimensão erótica do(a) professor(a) - seja através de mecanismos de identificação do discente em relação ao docente, e vice-versa, seja por meio do assédio moral (atos abusivos) que também integram o cotidiano escolar. E, sobretudo, percebi que não se fala abertamente do avesso da "sagração" do magistério. Assinalar a sexualidade à figura docente é um tabu que reafirma a fragmentação de nossa humanidade. Palavras-chave: Imaginário Social, Erotismo, Estigma, Normalista, Teatro e Literatura
 
 

   
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