Página Principal
Topo Topo
Abrapso

ANAIS DO XIV ENCONTRO NACIONAL DA ABRAPSO - RESUMO
ISSN 1981-4321

Tema: Sessões Temáticas - Outros

MÚSICA E VIDA SOCIAL: REFLEXÕES PRELIMINARES DE UM ESTUDO DE PSICOLOGIA SOCIAL DA ARTE

Autor:
ANDREA SIOMARA DE SIQUEIRA, ARLEY ANDRIOLO - USP
Este trabalho pretende apresentar algumas reflexões construídas ao longo do desenvolvimento da dissertação de mestrado intitulada Música e Vida Social: repercussões do festival de inverno de Campos do Jordão na comunidade local, pesquisa em andamento no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. O objeto dessa pesquisa é a repercussão do Festival de Inverno de Campos do Jordão nas vivências sociais de músicos da comunidade local. Sabemos que o festival é um evento artístico-cultural que envolve diferentes instituições e pessoas, e pode ser estudado por diversos ângulos. Aqui nos interessa olhá-lo a partir do discurso do músico da cidade, com os seguintes objetivos: 1. Compreender a repercussão do Festival de Inverno de Campos do Jordão a partir da ótica dos músicos da comunidade local e; 2. Refletir se o festival é promotor de transformação social. No ano de 2007 o Festival de Inverno de Campos do Jordão completa 38 edições. É um percurso construído com o trabalho de muitas pessoas - artistas, ouvintes, patrocinadores, moradores da região, políticos, funcionários públicos entre outros. O festival, idealizado pelos maestros Eleazar de Carvalho, Camargo Guarnieri e Souza Lima, é o mais importante festival de música erudita do Brasil e anualmente transforma Campos do Jordão no centro do cenário erudito brasileiro. Em 2005, o festival tornou-se internacional, agregando aos professores, estudantes e concertistas brasileiros prestigiados nomes do cenário musical mundial. Promovido pela Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo em parceria com outros órgãos públicos e privados, o festival objetiva reunir, fomentar, fortificar e divulgar o manancial artístico, sobretudo musical, das Américas. A música tem muitas funções na vida humana, quase todas são essencialmente sociais (HARGREAVES; NORTH, 2004). Além de ser destacada em festivais ao redor do mundo, ela é ouvida em comemorações, em ritos religiosos, em encontros informais entre amigos, no marketing de diversos produtos e serviços, em cenas de filmes e novelas, no trânsito, nas salas de concerto e salões de baile, em propagandas políticas, além de muitos outros contextos sobre os quais não nos estenderemos aqui. "Todos nós, pode-se dizer que diariamente, ouvimos música. A música é parte integrante de nossas vidas e, seja quando a buscamos ativamente, seja quando quase não a percebemos, está sempre a nossa volta" (REICHE, 1994, p. 1). A música é uma forma de comunicação que transcende fronteiras físicas e culturais: "é possível para pessoas de diversas formações culturais estabelecer contato através da música, mesmo se as línguas que elas falem sejam incompreensíveis umas às outras" (HARGREAVES; NORTH, 2004, p. 1). No entanto, apesar do entrelaçamento da música em suas raízes e práticas cotidianas com a questão social, ela é mais comumente concebida e estudada na Psicologia sobre as bases dos estudos neuropsicológicos e experimentais. Estudos como os de Ferreira (1993) e Engelmann (1985) exemplificam a atenção que a área de Psicologia da Música tem recebido ao longo dos anos nestas duas linhas de pesquisa. Constata-se que "as características dos diferentes contextos nos quais a música é produzida e recebida têm atraído pouca atenção na Psicologia da Música" (HARGREAVES; NORTH, 2004, p. 5). Igualmente, em grande parte dos estudos de história da música, o foco de investigação concentra-se na descrição dos estilos musicais e sua evolução, sem relevar a importância que o contexto social exerce sobre a criação, a interpretação e a audição musicais. "A música não é escrita nem pode existir no vácuo (...). Ela deve existir socialmente" (RAYNOR, 1986, p. 13-16). Estudos como os de Frayze-Pereira (1987) e Villas-Bôas Valero (2001) contribuem em suas especificidades com um olhar diferenciado sobre a arte e sua relação com as pessoas e diminuem a lacuna de trabalhos da Psicologia da Arte em relação aos processos sociais. "A música não tem por único fim proporcionar-nos um prazer. São mais vastos os seus destinos" (SPENCER apud BRÉSCIA, 2003, p. 27). A música pode, por exemplo, ser propulsora de transformação social, quando através dela houver uma mudança nas vivências de indivíduos ou grupos sociais. Ao falar da música como elemento de transformação e desenvolvimento humano abrem-se possibilidades de um trabalho que transcende a idéia de musicalização. Afinal, não se pode ignorar a importância da arte nas questões político-sociais que possibilitam a participação e o envolvimento do sujeito na sua relação com o mundo de forma consciente e confiante. Nesse sentido, ao pensar a música como um fator de transformação social e sua apropriação como um processo dialético que se constitui nas dinâmicas sociais e culturais, levantamos alguns questionamentos relacionados ao maior festival de música do país: o que a criação e a realização do festival de inverno de Campos do Jordão representou para a comunidade local? A participação da comunidade tem sido significante? A música do festival é um fator de transformação social na comunidade? O investimento em cultura e a promoção de eventos artísticos têm mobilizado maior interesse na sociedade nos tempos atuais. Os desafios que enfrentamos não são somente de caráter econômico, mas abrangem perspectivas diferentes da vivência social, como a valorização das diversas manifestações culturais e os valores humanos éticos. "As pessoas anseiam, mais do que nunca, por bens materiais para sobreviverem, mas desejam igualmente fruir de bens simbólicos, imateriais (culturais) e espirituais. É preciso compreender que a solução dos nossos problemas de modo geral, impõe, de partida, um esforço centrado na resolução das múltiplas necessidades da vida" (BRÉSCIA, 2003, p.16). Afinal, acreditamos que a arte seja uma forma de relacão com a realidade em que a polissemia da vida é reconhecida. No processo de participação estética, o sujeito reinventa sua própria vida e ultrapassa limites impostos por condições sociais. Todo homem é um artista ao tentar estabelecer a própria identidade numa sociedade cada vez mais alienada. Nesse sentido, o questionamento das repercussões sociais na comunidade do maior festival de música camerística e orquestral da América Latina vem, ao mesmo tempo, interrogar as construções que se organizam em torno dos universos musicais. Olhar um evento artístico-cultural a partir do discurso de artistas da comunidade local (do mesmo segmento do evento) pode abrir possibilidades de interpretação diferentes sobre a organização e a operacionalização desse evento. No futuro, esses discursos podem contribuir com a promoção de ações que contemplem a participação significante de uma comunidade que nem sempre é visível. Referências: BRÉSCIA, Vera Pessagno. Educação Musical: Bases Psicológicas e Ação Preventiva. Campinas: Editora Átomo. São Paulo: Edições PNA: 2003. ENGELMANN, Arno. Estados de animo provocados por musicas no amor : um estudo comparativo entre os efeitos de uma musica antiga e uma musica atual. Resumo de trabalho apresentado na 15ª Reunião Anual de Psicologia em Ribeirão Preto. Exemplar na biblioteca de Psicologia da Universidade de São Paulo: 1985. FERREIRA, Anise de Abreu Gonçalves Dorange. Hierarquia perceptiva de tons em musica tonal e atonal para ouvintes musicalmente experientes e inexperientes. São Paulo. Tese de doutorado apresentado ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo: 1993. FRAYZE-PEREIRA, João Augusto. Olho D'Água - Arte e Loucura em Exposição: a questão das leituras. Tese de doutorado em Psicologia Experimental. São Paulo: Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo: 1987. HARGREAVES, David J.; NORTH, Adrian C. [ed.] The Social Psychology of Music. New York: Oxford University Press: 2004. RAYNOR, Henry. História Social da Música: da idade média a Beethoven. Rio de Janeiro: Editora Guanabara: 1986. REICHE, Monica. Fantasias e Angústias na Relação com a Música: ressonâncias de experiências precoces com a voz materna. São Paulo: Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo: 1994. VILLAS-BÔAS VALERO, Patrícia. É preciso levar o delírio à praça pública: sofrimento psíquico, artes plásticas e inclusão social Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo: 2001.
 
 

   
Voltar Imprimir
ABRAPSO
Produzido por FW2